GESTÃO: INSTITUTO TROPICAL

NA VOZ DA CRÍTICA

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PEDRO
CALMOM

 

VIEIRA
PRIMEIRO NA ARTE DE PERSUADIR

        Vieira é o patriarca dos nossos oradores políticos.
        Foi o primeiro na história, também na arte de persuadir, na lógica e na força da eloquência, no desassombro e na exatidão da crítica, na sua fé, comparável à dos santos bispos defensores da Igreja, e no seu patriotismo, profético e cândido a propósito da terra adotiva. Incluiu-se entre as energias irresistíveis que formaram, definiram, individualizaram a nacionalidade.
        No púlpito esse jesuíta português, de coração brasileiro, era igual a Matias de Albuquerque defendendo a colônia, a Nóbrega doutrinando-a, a Mem de Sá dando-lhe justiça, aos missionários da sua Companhia de Jesus que lhe levantaram os santuários primitivos.
        Os Sermões (...) iluminam, numa época tenebrosa de guerras de extermínio, a tribuna sagrada, os seus altos privilégios, a preeminência que ela tinha e a intuição de homem de Estado, de fundador de impérios, de creador de pátrias, que possuía o maior pregador do seu tempo.
(Pedro Calmon in – Por Brasil e Portugal. ed. Nacional. São Paulo, 1937).

 

ARTE DE PERSUADIR

Pedro Calmon

         Entre eles, (os soldados contra a invasão holandesa), passa furtivamente uma pobre roupeta. Dir-se-ia não haver lugar, no friso do triunfo, para o operário intelectual. Os outros rasgaram com as armas; ele cortara com o discurso. O século era dos guerreiros vestidos de ferro; ele orava com paixão. Enquanto aqueles estraçalhavam as hostes de Orange, limitára-se, o discípulo de Fernão Cardim, a sacudir com a retórica os nervos dos irresolutos, a consciência dos tímidos, a alma dos fortes.
        É reparar melhor: e então se verá que o gigante não brandia uma espada, porém dardejava os raios de uma convicção que varava os espíritos, esclarecia os cegos, impelia os inermes, conduzia os decididos, e ainda deixava no ar a noção nova de deveres em que ninguém pensava... Foram todos o braço; Vieira — muito mais que isto — é a razão; e o dirigiu.

(Pedro Calmon in – Por Brasil e Portugal.
ed. Nacional. São Paulo, 1937).

 

GLÓRIA E DESAPEGO


Pedro Calmon

        Esse religioso (...) poderia ter sido um dos maiores vul¬tos da humanidade, na linha dos estadistas seus contemporâneos, como Richelieu e Olivares, Castelo Melhor e Vauban e Colberl...
        Renunciou às glórias pela disciplina eclesiástica, e para ser apenas jesuíta não perseverou na carreira política e na diplomacia, que lhe franqueara a confiança de D. João IV, seu amigo e confidente.
        Deslumbrou as cortes européias com a sua dialética e à própria capela pontifícia, em Roma, levou as exuberâncias de sua oratória: mas de passagem, para servir, tratar, resolver, voltando antes do fim, de medo a enredar-se tanto nos assuntos do mundo que lhe não sobrasse fôlego para os do céu.
        Depois de ir à França, Holanda e Alemanha, com os seus lúcidos projetos de pazes e alianças, que salvassem, de Castela, o pequeno reino de Portugal esgotado na guerra da independência, o que achou de mais aprazível para o seu temperamento audaz foi recolher-se ao Brasil para ensinar aos tapuias.
        Dez anos, em seguida, perlustrou as selvas amazônicas, arriscando a vida entre os indios inimigos e as suas florestas palustres, resignado na sua tarefa de S. Francisco Xavier — ele, que abandonara os paços reais e o governo do povo, para ser, no meio dos columis, um abauna humilde como os que enfeitavam — bem-aventurados e mártires — os painéis do tecto da sacristia do Colégio, na sua Bahia...
        Regressou à Europa: mas, outra geração à testa do Estado, para excusar-se diante do Santo Oficio de suas atrevidas proposições, que cheiravam a heresia, a iluminismo, a velhas magias; para ajudar a livrar-se Portugal do frouxo rei Afonso VI, ganhando em troca o embravecido D. Pedro II; para recusar, no Vaticano, o titulo de diretor espiritual da rainha da Suécia, que lhe dera o Geral da Companhia; e, cançado dos homens, de sua pequenez, de suas misérias, retirar-se afinal para a Quinta do Tanque, na Bahia, restituindo à paisagem da infância a velhice carregada de dissabores, de honrarias e de experiência.

(Pedro Calmon in – Por Brasil e Portugal.
Ed. Nacional. São Paulo, 1937).