

NA VOZ DA CRÍTICA
LIGYA
      FAGUNDES
      TELLES 
VIEIRA- HOMENAGEM APAIXONADA
        Começo fazendo uma 
      homenagem, mas uma homenagem muito apaixonada, a esse escritor, 
      pregador e educador do século XVII e que se chamou Padre 
      Antônio Vieira. Nascido em Lisboa, menino veio com 
      os pais, desembarcou em Salvador, Baía de Todos os Santos, freqüentou 
      o seminário, o colégio jesuíta. 
      
               A paixão de Antônio 
      Vieira pelo Brasil sempre me comoveu, porque eu o considero o primeiro 
      grande escritor da língua portuguesa: padre Antônio 
      Vieira. E nisso estou partilhando da opinião de Fernando Pessoa, 
      que, mais de trezentos anos depois, considerava também padre Antônio 
      Vieira como o mais exemplar, o mais extraordinário poeta 
      — poeta, hein! — poeta e prosador da língua portuguesa. 
      Eu teria então, antes e acima de tudo, de fazer essa homenagem a 
      padre Antonio Vieira. (...)
      
              A paixão 
      do padre Vieira era o Brasil, sem esquecer Portugal. 
               Eu me apaixonei 
      também por esse prosador, por suas Cartas e seus Sermões. 
      E estou acompanhada, repito, nesse meu empolgamento pelo poeta maior Fernando 
      Pessoa, que afirmava que lia a obra de Vieira em prantos. Ele se emocionava 
      e chorava. Há ainda a famosa frase que hoje corre pelo mundo todo, 
      que já ultrapassou todas as fronteiras: 
              "Minha pátria 
      é a Língua Portuguesa". 
      
              Quem a teria inspirado para 
      Fernando Pessoa? Vieira. "Minha pátria é a língua 
      portuguesa". É uma coisa deslumbrante, porque ele amou o Brasil 
      e amou Portugal com o mesmo amor, de um mesmo ser que habita o chão, 
      chão este dificílimo. Estávamos, já disse, no 
      século XVII. 
      
              Vieira nasceu em 1608, em 
      Lisboa, e morreu no Brasil já velho, com 89 anos. Mas ele viveu mais 
      de cinqüenta anos, com pequenas incursões, no Brasil. Por quê? 
      Ele se apaixonou pela causa maior dos índios e dos negros. Foi realmente 
      o primeiro abolicionista que tivemos. E tanto ele lutou 
      pela causa dos negros e dos índios que não foi canonizado! 
      Ele não podia ser canonizado! Foi perseguido, inclusive sofreu a 
      prisão da Inquisição. Por quê? Ele era arrogante, 
      ele desafiava, ele lutava pelos direitos humanos, os tais direitos humanos 
      hoje tão desrespeitados na nossa pátria e em todo, parece, 
      planeta enfermo. 
      
              Vieira foi o primeiro 
      batalhador por esses direitos, vivendo num planeta tão difícil, 
      com tantas dificuldades no cotidiano, ao menos ele quis dar ao homem — 
      fosse ele negro, amarelo, "azul", pobre, rico, não interessa 
      — a dignidade que esse ser merece. 
      Lygia Fagundes Telles 
      – Discurso Câmara dos Deputados, em Brasília, 2000.