NA VOZ DA CRÍTICA
IVAN
LINS
– DESCOBRE VIEIRA –
Ivan Lins veio mostrar-nos
esse Vieira ignorado. O seu trabalho é de erudição
e persuasão. Tem-se aí um Vieira atualizado, homem de visão
política anti-racista e rebelde à ditadura clerical, missionário
e catequista, filósofo e moralista. Um Vieira sem superstição,
nem beatitude, capaz de ação e reação. Nenhum
jesuíta mais integrado do que ele nos postulados rígidos de
Santo Inácio de Loiola, o fundador da Ordem: salvar as almas antes
de salvar a si próprio.
Ivan Lins parece ver no
Sermão do Espírito Santo o retrato do próprio sermonista.
Fala aos príncipes e aos aristocratas para exprobrar-lhes os vícios,
erros e desonestidades. Ao rei, aponta os seus assistentes, conselheiros
e ministros que são ladrões. É cruel na ironia e no
sarcasmo.
Vieira precede de muito
a Pombal ao pretender cercear a Inquisição. Mas, ao contrário
do Ministro onipotente, foi por ela encarcerado e por pouco é atirado
vivo à fogueira... A época é cheia de perigos. Enquanto
em Londres, Hobbes, que se presumia um novo Bacon, escrevia o seu Leviatã,
os ingleses impacientes foram logo se antecipando e cortaram a cabeça
do rei...
M. Paulo Filho.
Prefácio da obra de Ivan Lins
Aspectos do Pe. Antônio Vieira.
VIEIRA -FONTE INESGOTÁVEL DE ENSINO
Dentre os prosadores de
Portugal, que fazem jus a uma leitura constante pelo encantamento
e proveito que proporcionam, destaca-se — primus
inter pares — o Padre Antônio Vieira.
Longe de provocar o sono,
é capaz de afugentá-lo, possuindo páginas de tal modo
vivas que se diriam escritas em nossos dias. Sua linguagem é muita
vez tão perfeita que dificilmente se consegue exprimir-lhe o pensamento
de outra forma, sob pena de desfigurá-lo e empanar-lhe a clareza,
a agilidade e a finura. Quase sempre, no que escreve, "cada ideia se
contém na expressão exata e única, que definitivamente
a traduz", encontrando a cada passo o termo próprio, "o
vocábulo consubstancial à ideia, carne do pensamento, específico
e insubstituível na função de o revestir".
Uma das maiores dificuldades
da arte de escrever é achar o adjetivo adequado, isto é, o
que melhor complete o substantivo, precisando-lhe e iluminando-lhe o sentido.
É aí que se revelam os escritores de raça. Pois bem:
o adjetivar de Vieira, no dizer de um dos maiores mestres da língua
— Camilo Castelo Branco — "é irrepreensível;
a propriedade do epíteto é nele tão original que a
não podemos derivar de Camões nem de Barros."
Ao revolucionar em Portugal
a oratória religiosa Vieira reformou ao mesmo tempo — observa
Fidelino de Figueiredo — a boa prosa portuguesa, que corajosamente
exumou das escórias, andrajos e ouropéis, que sobre ela acumulara
o gongorismo... Os seus sermões atestam um poder de expressão
genial, servido por uma simplicidade claríssima, por uma
vigorosa originalidade e uma audaciosa e riquíssima imaginação.
Tudo que Vieira dizia entrava prontamente no espírito do
fiel pelos ouvidos e pelos olhos, em sonoridades e imagens visuais.
Li um caso paralelo ao da simplicidade de Eça de Queiroz, igualmente
avesso ao pensamento abstrato; somente, o missionário seiscentista
propugnava um conceito dramático e batalhador da vida; e o romancista
do século XIX pintava uma visão caricaturesca e racionalmente
céptica.
Mas, não é
só pela propriedade da linguagem, brilho e pureza que se recomenda
Vieira aos leitores de nossos dias. É ainda inesgotável
fonte de ensinos de toda espécie sobre história,
teologia, política, filosofia e moral, compendiando em suas cartas
e sermões não só os conhecimentos, como os sucessos
de sua época, de que foi um dos mais preeminentes atores em Portugal,
tornando-se, sob este aspecto, tão instrutivo para os leitores de
hoje quanto um Santo Agostinho ou um São Jerônimo entre os
antigos cristãos, um São Pedro Damião ou um São
Bernardo entre os medievais, e um Bossuet ou um Fénelon entre os
modernos.
(Ivan Lins in Aspectos do Pe. Antônio Vieira, 2. ed.
Livraria São José. Rio de Janeiro, p. 20 a 22)
VIEIRA
– PRECURSOR DO PENSAMENTO MODERNO
Dizia com razão o
Padre Gaspar Ribeiro que “entre tantos talentos do Padre
Antônio Vieira, o menor era o de pregador". Infelizmente
ainda hoje este é quase o único através do qual, no
Brasil e mesmo em Portugal, é ele geralmente conhecido.
Enquanto em França
Bossuet subsiste mais como o filósofo e pensador, que se antecipou
à fundação da Sociologia, do que como pregador, embora
não deixe de ser também admirado sob este aspecto, o mesmo
há de acontecer com o seu ilustre contemporâneo luso, quando,
em Portugal e no Brasil, se atribuir ao conjunto de sua vida e de sua obra
o valor que realmente possui.
Porquanto, como pondera Hernâni Cidade, é a "obra mais
variada e fundamente vivida que se produziu no século XVII",
havendo sido Vieira "a mais completa expressão do seu tempo.
Até porque lhe não faltam aqueles aspectos que começam
a perturbar a homogeneidade da cultura e a denunciar a que lhe há
de suceder, de mais livre e audaciosa curiosidade no pensamento, de mais
humana e compreensiva tolerância nas oposições ideológicas,
tanto como nas relações sociais".
E, na verdade. Por suas opiniões quanto à limitação
da onipotência divina; pela maneira, exclusivamente científica,
através da qual encara o arco-íris e o céu; pela sua
concepção do progresso e da perfectibilidade humana; pelo
seu cepticismo histórico; pela sua apresentação da
teoria aristotélica dos sonhos; pela sua distinção
entre os estados ativo e passivo da sensibilidade; pela sua clara visão
da ordem filosófica das épocas históricas; pela sua
percepção psicológica do egoísmo como sendo
o verdadeiro diabo; pelas suas idéias, sobre a economia política
e sobre a lógica dos sentimentos, e por tantos e tantos outros aspectos
essenciais, é Vieira um antecessor não só
dos filósofos, enciclopedistas e racionalistas do século XVIII,
como Fontenelle, Diderot, D'Alembert, Condorcet; Turgot, Adam Smith e Buffon,
mas chega até a prelibar teorias que somente no século XIX
seriam apresentadas e desenvolvidas por Gall, Augusto Comte e Freud.
Quanto à modificação
das relações sociais, operada pela Revolução
Francesa, quem, mais claramente do que de, defendeu, em seu século,
a dignidade da pessoa humana, e se ergueu contra
a perseguição religiosa, contra o anti-semitismo,
contra a Inquisição, contra os abusos da fidalguia e contra
a escravização dos africanos e ameríndios? E fê-lo
não somente no domínio do pensamento, através da pena
e da palavra, mas ainda no da ação, rivalizando,
pela dedicação e pelo destemor, com as grandes e veneráveis
figuras como Francisco Xavier, Nóbrega e Anchieta.
Eis porque, em nota prévia
deste livro, dizíamos que ainda não ocupa Vieira, por força
dos ódios e rancores que despertou, à vista
das causas por ele patrocinadas, o lugar a que tem direito, na gratidão
dos pósteros, não apenas como o maior orador
e escritor clássico da sua língua, mas como um dos homens
mais completos e admiráveis, pelo conjunto harmonioso do coração,
da inteligência e do caráter, de que se possam orgulhar os
portugueses e seus descendentes na Europa, na Ásia, na África
e na América.
Além de não
temer confronto com qualquer dos maiores vultos de Portugal, quer no campo
político ou da ação,
quer no domínio puramente literário ou especulativo, evidenciou
Vieira, ao formar-se no Brasil seiscentista, serem as plagas americanas
capazes de herdar e desenvolver o cabedal de cultura e civilização,
recebido dos descobridores, passando, assim, a participar dos esforços
e lutas comuns em prol do maior aprimoramento e bem da humanidade.
(Ivan
Lins in Aspectos do Pe. Antônio Vieira, 2. ed.
Livraria
São José. Rio de Janeiro, p. 310 a 312)
DEPLORA-SE O DESCONHECIMENTO DE MUITOS
Ao
criticar afirmações descabidas, sobre Vieira, de dois conhecidos
críticos literários brasileiros, — Silvio Romero e José
Veríssimo — Lins comenta com ironia:
“Os
passos transcritos provam, como se concluirá da leitura deste livro,
que Sílvio
e Veríssimo ignoravam por completo o que haja sido Vieira, até
mesmo no simples campo
literário. Se tal, porém, acontece com dois escritores, que,
por dever de ofício, tinham
obrigação de conhecer o maior prosador da língua, que
se dará com o público em geral?”
Ivan Lins, Ibidem
LIRISMO E VIBRAÇÃO ÉPICA
Do que vale Camões, como poeta da estirpe dos Homeros, dos Virgílios
e dos Dantes, já falaram, entre nós, Joaquim Nabuco, Miguel
Lemos, Afrânio Peixoto e outros. E o fizeram com a devoção
e o entusiasmo que desperta um estro profundamente humano, sempre novo através
dos séculos, sobrepondo-se, pelas suas perenes belezas, às
modas e gostos literários, visto aliar o mais suave lirismo à
mais vibrante inspiração épica
I. Lins
VIEIRA SEMPRE ATUAL
Dentre os prosadores de Portugal, que fazem jus a uma leitura constante
pelo encantamento e proveito que proporcionam, destaca-se
— primus inter pares — o Padre Antônio Vieira.
Longe de provocar o sono, é capaz de afu¬gentá-lo, possuindo páginas de tal modo vivas que se diriam escritas em nossos dias. Sua linguagem é muita vez tão perfeita e atual que dificilmente se consegue exprimir-lhe o pensamento de outra forma, sob pena de desfigurá-lo e empanar-lhe a clareza, a agilidade e a finura.
I.Lins
PRECISÃO DA ADJETIVAÇÃO
Quase sempre, no que escreve, "cada idéia se contém na expressão exata e única, que definitiva mente a traduz", encontrando a cada passo o termo próprio, "o vocábulo consubstancial à idéia, carne do pensamento, específico e insubstituível na função de o revestir".
Lúcio de Azevedo – in I. Lins
Uma das maiores dificuldades da arte de escrever é achar o adjetivo adequado, isto é, o que melhor complete o substantivo, precisando-lhe e iluminando-lhe o sentido. É aí que se revelam os escritores de raça. Pois bem: o adjetivar de Vieira, no dizer de um dos maiores mestres da língua – Camilo Castelo Branco — “é irrepreensível; a propriedade do epíteto é nele tão original que a não podemos derivar de Camões nem de Barros.”
Camilo C. Branco – in I. Lins
VIGOR E SIMPLICIDADE DAS IMAGENS
Ao revolucionar em Portugal a parenética, Vieira reformou ao mesmo tempo — observa Fidelino de Figueiredo — "a boa prosa portuguesa, que corajosamente exumou das escórias, andrajos e ouropéis, que sobre ela acumulara o gongorismo... Os seus sermões atestam um poder de expressão genial, servido por uma simplicidade claríssima, por uma vigorosa originalidade e uma audaciosa e riquíssima imaginação. Tudo que Vieira dizia entrava prontamente no espírito do fiel pelos ouvidos e pelos olhos, em sonoridades e imagens visuais. É um caso paralelo ao da simplicidade de Eça de Queiroz, igualmente avesso ao pensamento abstrato; somente, o missionário seiscentista propugnava um conceito dramático e batalhador da vida; e o romancista do século XIX pintava uma visão caricaturesca e racionalmente céptica."
Fidelino de Figueiredo – in I. Lins
ARSENAL DE CONHECIMENTOS
Mas, não é só pela propriedade da linguagem, brilho
e pureza que se recomenda Vieira aos leitores de nossos dias. É ainda
inesgotável fonte de ensinos de toda espécie sobre história,
teologia, política, filosofia e moral, compendiando em suas cartas
e sermões não só os conhecimentos, como os sucessos
de sua época, de que foi um dos mais preeminentes atores em Portugal,
tornando-se, sob este aspecto, tão instrutivo para os leitores de
hoje quanto um Santo Agostinho, ou um São Jerônimo entre os
antigos cristãos, um São Pedro Damião ou um São
Bernardo entre os medievais, e um Bossuet ou um Fénelon entre os
modernos.
I. Lins
PINTURA DAS ALMAS
Repetindo a Ovídio e Sêneca, e precedendo a Buffon, sustentava Vieira que, enquanto os corpos se retratam com o pincel, as almas se pintam com a pena. No que ele escreve transvazam a cada passo, a bondade e a energia tão características de seu extraordinário povo, ao lado da agudeza de uma inteligência que figura entre as mais vivas e fortes da Humanidade.
(I.Lins)