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ANTÔNIO VIEIRA
NO TRIBUNAL DA HISTÓRIA - III.

 

III - VIEIRA, PALADINO DA LIBERDADE
Da Injúria à Glória

1) Vieira, um Homem Atuante

.....Vieira, como homem empreendedor e ousado, agiu em muitos e diversificados campos: foi orador exímio, mestre magno da língua portuguesa. Foi filósofo, político, diplomata, professor e até poeta.

..... Produziu uma obra monumental. Seus sermões eram eventos inesquecíveis e memoráveis.

.....Dedicou-se ao Brasil com todas as suas forças, quer na incansável e ousada obra missionária, quer nas gestões políticas e incentivos ao povo para a expulsão dos holandeses e garantia da integridade do território nacional. Tal integridade territorial, em certa altura, já parecia impossível, dado o poderio bélico e a persistência do invasor.

.....Vieira deveria ser enquadrado e reconhecido como um grande Apóstolo do Brasil, ao lado de outros de primeira grandeza. André de Barros[1] já lhe atribuía este título magnífico e bem merecido. O mesmo autor, contemporâneo de Vieira, o cognomina: ”Príncipe dos Oradores Evangélicos”.

..... A vida dos humanos tem sempre ocorrências triviais que não as distinguem das demais e que não interessam senão a eles mesmos.

.....Os homens de talentos e obras excepcionais valem pelo que é excepcional em grandeza e que os destaca. Devemos fazer como o catador de ouro: pega no rio a areia aurífera com a bateia. Mexe-a. Agita-a. Joga fora o que não lhe serve e guarda as pepitas de ouro que se aninham no fundo da bateia. Os sábios guardam o que sabem ser melhor. Os néscios ficam com os rejeitos. Assim são alguns críticos de Vieira.

2) Vieira, um marco do séc. XVII

.....Vieira foi um cristão impregnado das extraordinárias forças do Evangelho. Lutou pela justiça social, pela dignidade humana e pela liberdade. Para alavancar a auto-estima de seu povo, pugnou por algumas utopias estimulantes. Todas elas baseadas nas profecias Bíblicas, nas mensagens vitais do Antigo e Novo Testamento.
      Ele conhecia bem as Escrituras com toda a sua força e sabedoria. No Sermão da Quinta Dominga da Quaresma, cita a carta de Paulo a Timóteo 3,16:
                                               “Toda escritura divinamente inspirada, é útil para ensinar,                                                          para repreender, para corrigir, para formar na justica”.
      Efetivamente, Antônio Vieira é um dos maiores homens que passou por esta terra. Aqui se formou, no Colégio dos Jesuítas, em Salvador, Bahia. Foi uma das maiores inteligências do séc. XVII.
      Também foi um dos homens que mais fizeram pelo Brasil em todos os tempos.
      Em algumas enquetes nacionais feitas no Brasil, nos últimos anos, Vieira é contado entre os 14 (catorze) homens mais importantes na história do país.
      É muito honroso para o país e para as pessoas manter viva e quente a lembrança deste homem genial, que ajudou a construir o país em que vivemos.
      Resta estudar melhor a questão das invasões holandesas, onde lutou como um leão para garantir o nosso território livre e nosso, levantando a moral e a auto-estima do povo, para que não desanimasse diante da desigualdade do poderio bélico do invasor, do incêndio dos canaviais, destruição dos engenhos e produção da fome que o invasor deixava por onde passava e do sangue derramado do povo que lutava por sua terra livre e pacífica.

      3) Perpetuando as Farsas da Inquisição

      No entanto, em alguns meios intelectuais, Vieira ainda é mal visto. Mesmo quando o exaltam logo se detêm aos problemas que teve com a Inquisição. Esta questão parece levantar uma coluna de fumaça sobre Vieira, deixando dúvidas atrozes sem resposta, tal qual fez a própria Inquisição: desinformando. Que tem a ver Vieira com a Inquisição? Nada.

      Esta só lhe trouxe sofrimento e inquietação, mas não dominou seu caráter.

       Repetindo a Inquisição, alguns ainda consideram que a vítima é a culpada e os culpados são paladinos da verdade, só porque estavam com o poder na mão.

       Chega de injustiça e de afrontas...Chega de oportunismo fascista!

      As pessoas que pesquisaram as questões que se levantaram contra Vieira, na Inquisição, ficam atônitas com tais fatos. As questões dos “Autos do Processo....”[2] precisam ser avaliadas em sua realidade concreta. São uma farsa. É Vieira quem denúncia. É preciso que o leitor saiba que os textos não são fidedignos...

      Afigura-se-nos que o que se passa é mais uma injúria e perseguição ao grande orador, ou má-fé, ou ignorância por desinformação.

       Vieira não temeu a Inquisição, mesmo quando estava recluso em seu cárcere. Nunca temeu a arrogância e a truculência dos inquisitores.

       Também nunca temeu o juízo da história.

       Ele bem sabia o que Cristo garantiu:

      “A verdade vos libertará” (Jo. 8,32). Tarde ou cedo a verdade triunfará e a justiça será feita.

      Não temos qualquer interesse em criticar a Inquisição. Não é nosso papel. Apenas queremos ver Vieira livre deste meio, para o qual jamais poderia ter sido empurrado.

       Por este motivo, é preciso que alguém decida partir para divulgar a inocência e retidão deste homem, a partir dos documentos disponíveis.

      Ele não precisa de defesa, pois já se defendeu, ele mesmo e até foi defendido pela autoridade máxima da Igreja, o Papa Clemente X. Nós precisamos conhecer os fatos para manter ilibada sua honra e grande a sua vida e mensagem aos olhos de todos.

      4) Outros Gênios e Mártires de Inquisição

      A Inquisição produziu um sem número de mártires. Incomodou, fez sofrer, atormentou e até matou barbaramente centenas e milhares de grandes intelectuais, religiosos e artistas. Entre os mais célebres podemos destacar: Galileu Galilei, Damião de Góis, Joana D’arc, etc. etc.Não podemos esquecer Jacques de Molais, último Grão-Mestre dos Templários, que foi queimado vivo por questões políticas forjadas, vítima da ganância e da insensatez.

      5) Papa Exime Vieira de Qualquer Culpa ou Castigo

      Segue um pequeno texto do documento do Papa:

Amado Filho: Saúde e benção apostólica (...)

Pelo vigor das presentes letras, absolvendo-vos e decretando-vos absolvido de quaisquer sentenças de excomunhão, suspensão, interdito e outras censuras e penas eclesiásticas impostas a jure, vel ab homine, se por qualquer das ditas penas de qualquer modo estais impedido, para conseguir o efeito das presentes letras somente.Do nosso motu próprio, certa ciência e madura deliberação, e de plenitudine de poder apostólico, pelo teor das presentes, plenariamente vos eximimos e totalmente vos isentamos, constituindo-vos e declarando-vos isento, por toda a vossa vida, de qualquer jurisdição, poder e autoridade do venerável irmão Padre, Arcebispo Inquisitor Geral (...) em tal forma que eles (...) assim pelo tempo passado como pelo presente e pelo futuro, não possam exercer sobre vós alguma jurisdição ou autoridade (...) que possam molestar-vos ou perturbar-vos ou inquietar-vos (...).

“Dado em Roma, em Santa Maria Maior, debaixo do anel do
Pescador, aos 17 de abril de 1675, quinto ano de nosso
.pontificado”.

......................................................................................................................Clemente X, Papa.

      No presente documento pontifício, o Papa reconhece a inocência, a perseguição e os méritos de Vieira.

      6) Vieira Isento das Acusações e Livre Para Sempre

      Aqui Vieira é plena e formalmente absolvido, eximido de presumíveis faltas do passado, do presente e do futuro, de que possa ser eventualmente acusado. O Papa liberta-o da jurisdição da Inquisição Portuguesa e garante-lhe proteção “por toda a vida”.

      É um documento irretocável e definitivo. Vieira fica isento de todas as acusações insuportáveis e intoleráveis que vinha sofrendo. Porque este documento não é citado por aqueles que falam das acusações a Vieira, como se elas fossem verdadeiras?!

      Porque os “Autos do processo de Inquisição” e a condenação posterior são publicados sem a defesa de Vieira e sem a intervenção do Papa que absolveu o “réu”. Porque deixam as questões em aberto?

      Pois bem, além deste documento decisivo e definitivo do Papa, precisamos ainda ir mais fundo. As acusações do processo da Inquisição têm resposta. A apresentação do “contraditório” jurídico, que é uma peça primorosa de Vieira, denunciando os bastidores do referido Inquérito da Inquisição, estão disponíveis para quem quiser conhecer os fatos essenciais (ver o texto integral em anexo).

      Vamos a mais este documento que é sistematicamente esquecido pelos que querem ver Vieira diminuído e querem dar seqüência às perseguições da Inquisição.

       No documento “Defeitos o Juízo, Processo e sentença na causa do Pe. Antônio Vieira”, Vieira usa uma linguagem precisa e veemente para fazer sua defesa. Foi enviado ao Papa Clemente X e ao Pe. Geral da Companhia de Jesus.

      Diante da gravidade da defesa de Vieira, que incluía gravíssimas denúncias, o Papa, autoridade máxima no caso, resolveu assumir um ato de grande coragem: enfrentou e desautorizou a Inquisição, declarou Vieira integralmente inocente e ainda garantiu proteção ao grande injustiçado e perseguido, “para sempre”.

       Vieira não foi libertado, por favores, mas por mérito próprio. Foi libertado por justiça.

      Livre destes inimigos perigosos, Vieira prosseguiu seu trabalho apostólico e social, trabalhando incansavelmente. Vai ainda enfrentar outras dificuldades.

       Apesar de perseguido, caluniado e afrontado, Vieira não cultivou ódio ou ressentimentos.

      Foi sempre um conciliador. Mas também não se acovardou: buscou seus direitos à vida e à liberdade, pelos canais competentes. Buscou a luz e a luz achou.

      A Inquisição, apesar de toda a sua malignidade ainda nos deixou algumas informações úteis que constam do Processo, que não saberíamos de outra forma.

      7) Coroa de Louros para Vieira

      Ao pesquisar e folhear textos para a elaboração deste estudo, descobrimos algo que nos impressionou muito, trazendo imensa satisfação.
      
       Trata-se de um fato narrado no livro “Episódios Dramáticos da Inquisição Portuguesa” (v.1). Aí se conta que, no ano de 1674, na Academia Romana do palácio da Rainha Cristina, da Suécia, o Pe. Vieira desenvolveu um discurso sobre as “Lágrimas de Heráclito”.

      Após o magnífico discurso, a mesma rainha da Suécia, no meio de grandes aplausos de Cardeais e Monsenhores, coroou Vieira com uma Coroa de Louros Dourada.

       Em trabalho anterior, antes da leitura deste texto, apresentamos uma imagem de Vieira, coroado de louros. É motivo de satisfação, sabermos que apenas repetimos um fato altamente meritório, ocorrido em Roma, no séc. XVII..

      Vejamos como rodam os caminhos do destino. Na véspera do Natal de 1667 foi lida a “Sentença Condenatória” de Vieira, pela Inquisição; em 1674 é exaltado e coroado de louros em Roma, em abril de 1675 é absolvido pelo Papa.

       Livre e honrado, Vieira ainda teria de enfrentar outras grandes dificuldades.

      Parecem episódios da busca do Santo Graal. Vieira não desistiu nunca.

       Apesar de seus detratores, Vieira permaneceu vivo na memória das gerações, como um dos homens mais talentosos, mais geniais e mais atuantes da nossa história e de nossa cultura.

      A bem da verdade, qualquer que fosse o resultado da Inquisição, o artista seria o mesmo; nos seus altos méritos. Continuaria sendo o mestre maior de nosso idioma; continuaria sendo “o Príncipe dos Oradores Sacros”. Na batalha do Rochedo contra o mar, Vieira levou a melhor.

Bibliografia Essencial

BAIÃO, Antônio. Episódios Dramáticos da Inquisição Portuguesa. V.1./capítulo: O Padre Antônio Vieira. Ed. Renascença Portuguesa, 1919.

BARROS, André, S.J. Vida do Apostólico Padre Antônio Vieira Lisboa. Nova Oficina Sylviana, 1746.

CASAS, Bartolomé de las. O Paraíso Destruído. Porto Alegre, Le PM ed, 1985.

PERALTA, Jorge. Antônio Vieira, Um Guerreiro do Humanismo I. in Revista Abaeté, n°3. São Paulo/Cotia, Ed. Europan, 2005.

VIEIRA, Pe. Antônio. Obras Escolhidas, V.VI, Org. Antônio Sérgio e Hernani Cidade. Ed. Sá da Costa. Lisboa, 1952.


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[1] In “Vida do Apostólico Pe. Antônio Vieira”, de André de Barros, S.J.
[2] “Autos do Processo...?”