GESTÃO: INSTITUTO TROPICAL

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ANTÔNIO VIEIRA,
NO TRIBUNAL DA HISTÓRIA - II

 

II
EPOPÉIA DE UM GUERREIRO DO HUMANISMO

Nas Garras da “Justiça”

1) Vieira na Inquisição: Uma Afronta à Justiça

      Vieira nunca deu motivo real para ser leva ao tribunal da Inquisição e nem a nenhum outro tribunal do mundo. Nunca deveria ter sido levado a um lugar tão indigno de seu caráter, de sua fé e de sua dedicação à pátria é a sua gente. Este foi um crime e lesa pátria cometido pelos inquisitores.

      A Inquisição foi uma injustiça atroz para Vieira. Uma gravíssima afronta. Ele tudo suportou, mas não ficou passivo, acomodado. Quis justiça e conseguiu-a. Vieira é muito maior do que todos os Tribunais.

      Todos deveríamos agradecer a Deus a existência de Vieira na vida e entre nós. Um dia um cardeal após ouvir um dos magníficos sermões de Vieira, em Roma desabafou:

“Não sei como Deus roubou este engenho a Roma” .
E nós não somos gratos porque Deus o deu a nós (!).

      As obras de Vieira estão aí, entre as maiores monumentos da língua Portuguesa. Vieira vive na sua obra. Seus detratores, perseguidores e juizes, hoje são pó e esquecimento. Que a terra lhes seja leve, diria o nosso Machado de Assis.

      A presença de Vieira na Inquisição é apenas mais um capítulo triste e até abominável da história dramática e traumática da Inquisição, em Portugal e no mundo.

      O prof. Alfredo Bosi, comenta a emoção que sentiu ao ter em mão os manuscritos originais do processo da Inquisição de Vieira:

“Não pude deixar de me comover, quando tive em mãos o processo original
que se encontra na Torre do Tombo."

      Tomar conhecimento deste processo em seus desdobramentos, até o desfecho final, é sem dúvida, uma experiência comovente.

      Em vez de apreciação objetiva, o julgamento de Vieira foi uma farsa. O texto da condenação é outra farsa. A esta o Papa fez enérgico contraposto.


2) Vieira denuncia a Farsa

      Os motivos da convocação de Vieira já foram torpes. Foram de cunho persecutório. Foi acerto de contas. Vieira foi o “bode expiatório” da luta histórica e surda, mas deplorável, entre as congregações dos jesuítas e a dos dominicanos, em tempos despóticos, com certa insensatez.

      Isto Vieira sugere no seu documento “Defeitos do Juízo (...)”, ao dizer no “quinto defeito” que os dominicanos atacavam os jesuítas em sermões, em Lisboa, devido ao celebre Sermão da Sexagésima de Vieira, onde aqueles se sentiram ofendidos.

      Antônio Vieira faz uma denúncia gravíssima das irregularidades do processo que a Inquisição lhe moveu e na Sentença condenatória da mesma instituição .

      Enumera mais de 100 (cem) defeitos gravíssimos nesse processo: a) da parte dos juízes; b) da parte dos qualificadores; c) da parte do processo; d) de todo o processo quanto aos exames; e) depois da sentença.

      Altivo e sereno, Vieira denúncia:
- “Serem os Inquisitores em geral notoriamente suspeitos à Companhia (de Jesus);
- (...) Serem mais suspeitos que ao Pe. Antônio Vieira; ...” “Ser o presidente... da Inquisição (...) notória e decididamente seu inimigo”;
- Ser o juiz teólogo dominicano inimigo dos jesuítas e de Vieira;
- Por serem alguns inquisitores “declaradamente” inimigos dos que exaltam o Reino de Portugal e procurarem se vingar destes;
- Por alguns dos inquisitores terem sido destituídos de seus cargos pela rainha, por falta de decoro e então querem se vingar;
- etc (são mais de 100 tópicos).

      Os detratores, caluniadores e perseguidores de Vieira certamente aprenderam muito com este homem forte, de grande talento e adepto de grandes valores humanistas. Aceitam-se criticas construtivas. Criticas destrutivas, deletérias, humilhantes, não.

      Não é justo levar nossos complexos e nossas idéias aos ouvidos dos outros.

      Quem não tiver amor, admiração ou veneração por Vieira, que tome o rumo que quiser. Não somos obrigados a admirar ninguém, mas temos obrigação de respeitar a todos. Inclusive respeitar quem o admira e venera. Há que respeitar a opinião de cada um desde que seja fundamentada e racional e não fruto de discriminação gratuita ou de abominável preconceito.


3) A Farsa dos Autos da Inquisição

      “Os Autos do Processo de Vieira na Inquisição” são um triste espetáculo de ressentimento, de inveja, de vingança, de ódio selvagem e de autoritarismo, se levarmos em conta as graves denúncias de Vieira. Aí ficamos sabendo o que os “Autos” ocultaram ou apenas não deixaram registrar o que Vieira de fato disse...

      Os “Auto” foram uma grande e grosseira farsa. Uma vergonha deprimente e revoltante.
      Estes mesmos “Autos” são hoje lidos e divulgados como se fossem textos confiáveis (?!).
      Por eles, alguns continuam a agredir Vieira, 350 anos depois, lendo uma farsa como verdade e repetindo as mesmas inverdades dos impostores.


4) Indignidade da “Sentença”

      A “Sentença que no Tribunal do Santo Ofício de Coimbra se leu ao Padre Antônio Vieira” é mais uma grande farsa. Uma peça mesquinha de ofensas baixas, deboche absurdo, afrontoso e rancoroso..

      É vergonhoso e deprimente ler o que os inquisitores foram capazes de escrever. É desonroso e doloroso. É inveja e vingança de quem pode pôr as mãos e condenar alguém que era muito maior que eles. É uma peça antológica de autoritarismo doentio e fascista: E um de deboche indigno e lastimável.

      Aqui dá mais pena dos insanos inquisitores do que de Vieira. Este mantinha toda a sua dignidade e era capaz de morrer por ela. E os inquisitores? Eram reles vingadores de não se sabe de quê, nem a mando de quem, ou a quem serviam. É um texto muito lastimável, pela baixaria a que desce.
      Decididamente os inquisitores desonraram suas funções na Igreja e renejaram e rasgaram muitas páginas do Evangelho que deveria ser seu guia. Não são seguidores de Jesus: Não são jesuistas . “Desconhecem” o Evangelho e o Cristianismo (?!)....


5) A Serenidade dos Mártires

      Vieira manteve-se sereno como um mártir. Lembrando-se do Evangelho: “sede prudentes como os serpentes e simples como as pombas” (Mat. 10,16). Chegaria a hora dele agir.

      Deve ter sido muito difícil a este homem, de voz de trovão, ser obrigado a ouvir em silêncio tanta afronta e tanta indignidade vil. Ser reduzido ao silêncio impotente, diante de seus “verdugos” já é um martírio.

      Na “Sentença” dos inquisitores há muita vaidade e arrogância. O Evangelho nem passou por perto. Foi tudo sede de vingança e afronta. Mas os inquisitores tinham todo o poder sobre a vida e a morte das pessoas.

      Quem era “denunciado” ficava à mercê destes “homens”.
      Só o Papa poderia sanar tão grande injustiça e injúria.

      Enfim, do processo resta pouco que se aproveite. Vale como testemunho das atrocidades dos inquisitores.

      Precisamos ler o texto-denúncia de Vieira para sabermos o outro lado.

      O “contraditório”, o lado do réu que foi silenciado ou manipulado, ou foi obrigado a assinar em baixo de declarações que não fez ou que estavam truncadas.

      Vieira denuncia:
      “... protestando ele, (Vieira), por muitas vezes que não afirmava coisa alguma do que nos ditos papéis estava escrito, porquanto eram uns apontamentos informes de tudo que ocorria, pró ou contra (...) Sem embargo do dito protesto (...); tendo pedido aos inquisitores que lhe permitissem escrever um livro com seus pensamentos para poderem melhor ser apreciados, “o despacho da petição foi mandarem-no prender. etc. etc.

6) Vieira Apela para Roma. O Papa Absolveu

      Esta denúncia foi enviada para Roma. O Breve do Papa, absolve Vieira de todas as acusações, em caráter geral e irrestrito e ainda assume a proteção de Vieira “por toda a vida”. É a resposta final a esta gravíssima denúncia que Vieira elaborou. O Papa fez justiça a quem a mereceu. Bem haja. E os leitores de Vieira desconhecem.

      A partir de tão contundente atitude de Roma, Vieira passa a ter uma ação livre e sem mais cuidados com a Inquisição. Mas não lhe faltaram outros cuidados posteriormente. Mas isto é outra história.

      Enfim, o Papa louvava merecimentos de Vieira:
      ”Amado filho: (...) A bondade de vossa vida e costumes e outros louváveis merecimentos de vossas virtudes e bom proceder (...)” .

      Neste artigo propomos uma revisão de alguns conceitos ofensivos a Vieira produzidos e veiculados pela Inquisição sem se dar atenção às denúncias do próprio Vieira.

      Esta nova perspectiva levará a uma releitura dos “Autos do Processo de Vieira na Inquisição”. Estes, por serem manipulados, não espelham a realidade . Estão sob suspeita. São uma farsa. Por isso o Papa interviu no Processo, libertando Vieira com todas as honras.


7) A Águia é Libertada

      Os inquisitores quiseram quebrar as asas da ÁGUIA. O Papa interveio e eles não puderam levar adiante suas tramas diabólicas. Calar Vieira teria sido algo atroz e uma perda irremediável à nossa cultura.

      Uma fase trágica da vida Vieira estava vencida. Estava finalmente livre para prosseguir sua magnífica trajetória de guia da humanidade e Arauto do Evangelho da Paz.
Como os guerreiros do Santo Graal, ele tinha vencido mais um dificílimo obstáculo. Esta é a sina dos heróis da humanidade. Outros obstáculos sobrevirão.

      Toda vida de Vieira foi assim: seguiu o caminho que sua missão lhe traçou, sem temer os obstáculos supervenientes. Bem sabia que os obstáculos fazem parte do percurso de quem tem uma grande missão a cumprir.

      Em toda a sua vida, Vieira sofreu derrotas e enfrentou dificuldades, e também foi premiado com estrondosas vitórias. Aprendeu com umas e com outras. Assim é a vida. Os sábios aprendem sempre. As aparentes derrotas são o pórtico de novos sucessos e novas vitórias para os fortes.

      Enfim Vieira terá ainda uma vida de mais 20 (vinte) anos de trabalho incansável. Grande parte será dedicada a escrever ou retocar sua obra. Essa tarefa ela a desempenha em Salvador/Bahia.

      Vieira estava no apogeu de sua produtividade intelectual, A ÁGUIA retomava agora o seu vou que nunca tinha abandonado. A história da vida deste homem prossegue com todo o seu vigor.

      Apesar de tudo isto, ainda há pessoas, hoje, que aplaudem as atitudes nefastas e abomináveis da Inquisição. Ainda há pessoas que repetem, contra Vieira, as mesmas afrontas e injúrias que lhe fez a Inquisição (?!). Coisas da vida. Cada um responde por seus atos e por suas decisões e atitudes.


8) Divulga-se a Condenação Injusta e Silencia-se a Absolvição

      Lastimavelmente, no entanto, o mal que a Inquisição fez a Vieira, as calunias, injúrias, perseguições, que foram farsas montadas, como as denúncias a Vieira, continuam tidas como verdades, para muitos incautos ou parceiros inconscientes (?!) dos Inquisitores.

      Divulgam-se os Autos do Processo da Inquisição, mas não se divulgam as gravíssimas denúncias de Vieira contra essa farsa. Isto é atitude tendenciosa? É fraude? É desconhecimento das denúncias de Vieira?!

      Também não se lê o Breve do Papa, dando absolvição plena, geral e irrestrita a Vieira, acabando com toda a farsa da Inquisição e libertando este Homem, que só viveu para libertar pessoas e fazer-lhes o bem. É desconhecido também este documento (?!).

      Desconhecê-lo é grave... Então, socialmente só se conheceu a farsa e a condenação. Não se conhece a absolvição. É grave omissão. De quem?! É incrível como a justiça humana é precária injusta. Para muitos, Vieira jamais foi reabilitado como homem, inocentado das injustas acusações. Desconhece-se que foi absolvido de todas as acusações de modo pleno, geral e irrestrito.


9) Libertando-se da Lei da Morte

      É preciso acabar de vez com esta farsa. É preciso divulgar Vieira tal qual, e sua mensagem plena, para poder encontrar o estrategista, o Vieira em toda sua grandeza, como humanista, filósofo, teólogo, conselheiro, orador sacro etc, etc.

      Um homem amante da liberdade e da justiça. Um homem que amou sua terra e seu povo. Um homem, que empunhando a palavra como quem empunha una espada, levou os brasileiros a libertar sua terra dos invasores holandeses, garantindo a pátria grande e una que é o nosso Brasil que tanto prezamos.

      Vieira cometeu algumas falhas estratégicas e até erros? Talvez. Só não erra quem não ousa. Aliás, diz o povo que “não dá para fazer um omelete sem quebrar alguns ovos”.

      Vieira foi um brasileiro, um cidadão e um cristão jesuíta de quatro costados.

      Foi um escritor primoroso, um místico e um diplomata. Foi uma pessoa muito humana.

      Vieira encheu o século XVII do Brasil e de Portugal. Foi dotado de talentos e falhas próprios dos humanos. Quem quiser considerá-lo perfeito ou infalível está por fora.

      Com outros grandes brasileiros compôs uma epopéia magnífica que as gerações mais novas ainda desconhecem. Um dia descobrirão quão grandiosos foram esses tempos difíceis, mas gloriosos e decisivos para o nosso futuro como nação. E se orgulharão de seu país e dos seus heróicos antepassados. Descobrirão então que têm antepassados gloriosos. Que seu país tem história digna e forte.

      Vieira é parte marcante de nossa história. É um dos nossos imortais que há muito se libertaram de lei da morte, como diria Camões.

Bibliografia Essencial

BAIÃO, Antônio. Episódios Dramáticos da Inquisição Portuguesa. V.1./tema: O Padre Antônio Vieira. Ed. Renascença Portuguesa, 1919.
BOSI, Alfredo. Vieira e o Reino deste Mundo, in de Profecia e Inquisição. Padre Antonio Vieira. Senado federal: Brasília, 2001.
CASAS, Bartolomé de las. O Paraíso Destruído. Porto Alegre, Artes Médicas, 199..
MUHANA, Adma. Os Autos do Processo de Vieira na Inquisição. Edição e Notas. Salvador: Fundação Cultural do Estado da Bahia, 1995.
PERALTA, Jorge. Antônio Vieira, Um Guerreiro do Humanismo I. in Revista Abaeté, n° 3. São Paulo/Cotia, Ed. Europan, 2005.
VIEIRA, Pe. Antônio. Obras Escolhidas, V.VI, Org. Antônio Sérgio e Hernani Cidade. Ed. Sá da Costa. Lisboa, 1952.