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VEIRA – SÉCULO XXI
ATUALIDADE DO SEU PENSAMENTO

 

 

 


 

I – VISÃO PANORÂMICA

1. Um Homem Notável

     Vieira, neste ano de seu 4º Centenário, está despertando a sociedade científica para seu valor excepcional, começando a vencer as barreiras da crítica deletéria a que foi submetido criminosamente por alguns.
     Talvez pela primeira vez um centenário de Vieira teve celebração em escala mundial. Mas Vieira merece muito mais. A sua obra está disponível ainda para poucos. Seu próprio país faz pouco pelo mais alto mestre de sua língua e grande reformador social.

     Após 400 anos de seu nascimento e muitas perseguições e injúrias, Vieira continua atraindo o interesse das novas gerações, às vezes tão arredias a assuntos mais complexos. Quais serão os elementos da obra de Vieira que tocam os jovens, num tempo em que os “grandes” autores têm vida tão precária? Alguns, como surgem rápido, da mesma forma logo são esquecidos. Nosso tempo é arredio à memória. Mas há os que permanecem como a Fênix, sempre rejuvenescida.
     É que Vieira é um personagem muito atual. Seu pensamento é muito forte e muito ousado. Defendeu idéias ainda atuais e por elas sofreu e se sacrificou. Deu a vida por aquilo em que acreditou. Cunhou frases monumentais.
     Por suas idéias e lutas, a Inquisição o prendeu e injuriou. Vieira é um modelo completo para os jovens conscientes e engajados nas lutas por um mundo mais consciente, livre e melhor. Vieira é uma grande bandeira para quem crê e luta por um mundo melhor, com mais consistência e mais responsabilidade e solidariedade: um mundo com princípios e valores inalienáveis.
     As injúrias que Vieira padeceu apenas desonram quem o ofendeu. Para ele as ofensas são honrosas, como sempre são para os mártires. Se nos desonrarmos com as injúrias que lhe fizeram, em que nos distinguimos dos seus algozes?!

     Vieira deixa pasmadas as pessoas mais lúcidas, pela atualidade de sua mensagem.
     Foi um homem de uma dedicação, honestidade e lealdade a toda prova; jamais se omitiu diante do dever. Em seus 90 (noventa) anos de vida não há quem possa apontar um único desvio real em seu comportamento ético, nem um único momento de fraqueza ou de desânimo.
     Vieira foi sempre uma pessoa inquieta. Em sua mente e em sua frente sempre teve muito claro o que a humanidade dele esperava. O que dele “esperavam” os índios, os negros, os cristãos-novos e os judeus e todo o seu povo e o seu Rei. O que dele esperava o Brasil, fustigado pelos holandeses que lhe destruíam os engenhos de açúcar e semeavam a fome, a miséria e a morte em suas cidades e aldeias.
     Sem medir dificuldades, falou com coragem e destemor para poderosos e plebeus; foi ousado e destemido: um homem de ideal. Produziu uma obra monumental que merecia figurar ao lado dos grandes patriarcas da Igreja, como Santo Agostinho, São Bernardo, entre outros.
     Foi o grande advogado, defensor e protetor dos índios espoliados, dos negros escravizados e dos judeus e cristãos-novos perseguidos. Foi um defensor da pátria e do povo contra todos os corruptos, corruptores e omissos. Foi um reformador social.
     A coragem nunca lhe faltou mesmo nos momentos mais arriscados. Por isso penou.
     Os estudos e encontros que vêm sendo organizados demonstram mais uma vez que o que Vieira fez valeu a pena. Ele tinha uma alma grande, maior do que o mundo. É o que muitos reconhecem. Vieira voou alto como águia real.
     Vieira é um modelo acabado de homem de missão: tinha saber e sabedoria, consciência, competência, grande visão e incansável dedicação e grandeza de caráter. Tinha personalidade indomável, revestida de profunda humildade e altivez.
     Vieira é uma grande lição sempre viva e sempre atual.
     Vieira é um paradigma de dignidade, coragem, obstinação e altruísmo.

 

2. Vieira sempre Presente

     Neste trabalho dissertamos sobre VIEIRA HOJE: a atualidade do seu pensamento, no nosso tempo, no século XXI. Falamos da dimensão perene dos valores que defendeu e das causas pelas quais lutou e muito sofreu, sem nunca se render.
     Preso, exilado, perseguido, ameaçado de morte, caluniado, odiado, humilhado, nunca se atemorizou. Cumpriu a sua missão. Mesmo doente prosseguiu.
     Insurgiu-se contra as afrontas à dignidade humana, praticadas pela Inquisição. Foi denunciá-la em Roma. Sua voz chegou ao Papa que o escutou e extinguiu a Inquisição em Portugal. A justiça venceu. Mas as forças malignas não se conformaram; armaram-se e o Papa retrocedeu.
     Vieira desafiou a Inquisição para defender o respeito à dignidade humana, à liberdade, à verdade e à justiça. Foi um homem generoso e altruísta.
     As grandes e mais sérias e nobres “bandeiras” dos modernos Batistas (“Não te é lícito...”) que são desfraldadas, por todo o globo, de Norte a Sul e do Oriente ao Ocidente, estas “bandeiras” que marcam os caminhos de nosso tempo, e em que se envolvem pessoas de todas as idades e condições, já estão em Vieira.
     De fato, Vieira armou uma luta sem tréguas, pela liberdade contra toda a opressão, contra a tirania, contra a discriminação, contra a escravidão, contra o racismo, contra o desperdício, contra a omissão, contra a futilidade, contra os desvios da sociedade e pela inclusão social etc....

     Vieira é um autor de citação obrigatória em discursos solenes ou acadêmicos ou em espaços jurídicos ou de magistério. Uma citação de Vieira dá mais vida aos grandes discursos.

3. Gestando um novo tempo

     Em Vieira respira e pensa todo o seu tempo: foi um homem de grande erudição, um pensador universal. Em suas viagens pela Europa, entrou em contato com a grande revolução cultural que se processava, gerando uma nova fase da história: gestava-se a modernidade, com novos paradigmas e nova percepção.
     Vieira foi um atento frequentador das grandes Bibliotecas de seu tempo, por toda a Europa.
     Vieira foi precursor de muitas idéias que se consolidaram na história da humanidade. Vieira estava séculos à frente do seu tempo.
     Vieira foi o grande Conselheiro do Rei Dom João IV, em Portugal, como o Cardeal Richelieu e o Cardeal Mazarino foram os grandes conselheiros do Rei da França, Luiz XIV, o rei sol, seus contemporâneos.
     Vejamos uma frase contundente de Vieira:
     - “Ter nome de pregador ou ser pregador de nome não importa nada.
     As ações, a vida, o exemplo, as obras são as que convertem o mundo”
(Sermão da Sexagésima)

      Observe o realismo destas outras frases de alta sabedoria:
     - “Quem ama os vidros, pensando serem pérolas,
     pérolas ama e não vidros”
     - “Quem quer mais do que lhe convém
     perde o que quer e o que tem”


II – FORÇA DE VIEIRA

1. Vieira, talhado para fazer história

     Só para lembrar alguns pontos que considero emblemáticos, quero lembrar aos políticos, aos professores, aos advogados, aos médicos, aos gestores e a todas as pessoas estudiosas, alguns momentos altos de Vieira, insistindo em pontos nevrálgicos de plena atualidade.
     Se as exortações de Vieira fossem escutadas, o nosso mundo seria muito diferente, para melhor. Haveria mais eficiência e competência, mais qualidade, bem-estar e melhores resultados. Mas o mundo ainda estava em estágio precário de aprendizado de vivência coletiva e de visão global e ideário igualitário e não parasitário. Hoje na prática, o que mudou?!
     Se surgisse um homem, a cada século e um em cada continente, da estirpe de Vieira, com sua inteligência, sua experiência e sabedoria, sua coragem e dedicação e sua visão de múltiplas dimensões, o mundo seria hoje bem diferente. Teríamos certamente o Reino de “Cristo” implantado na terra, (talvez sem cristandade), com respeito à diversidade e à pluralidade. Um Reino de justiça, de paz e de bem-estar, com gente consciente e responsável. Cristo seria um grande guia.
     Mas quantos homens da têmpera e profundidade de visão de Vieira apareceram no mundo, nos últimos quatro séculos? Quem são eles?!
     Quem conhece a extensão e profundidade da obra de Vieira tem dificuldade em citar nomes que possam ombrear plenamente com ele, em extensão, coragem, vigor, força transformadora e peso moral.
Vieira foi um homem claramente predestinado e talhado para uma grande missão: viveu 90 anos repletos de oportunidades, desafios, venturas, aventuras e grandes feitos. No século XVII, poucas pessoas tiveram uma vida tão ativa e diversificada.
     Viajou pelo mundo: distribuiu sua vida intensamente, em três continente: América do Sul, Europa, África (Cabo Verde). Teve uma profunda formação intelectual, foi professor, diplomata, conselheiro, teólogo, filósofo, orador sacro, missionário e muito mais.
     Foi preso por corsários, naufragou algumas vezes e foi exilado e preso pela Inquisição.
     Encontrou-se com os maiores intelectuais e políticos do Século XVII, esteve nas grandes cortes da Europa... Tudo Vieira aproveitou para desenvolver seu potencial e seus talentos.
     Vieira é um fruto maduro de um mundo em intensa ebulição...
     As idéias e a história, os feitos e os sofrimentos de Vieira dão-lhe porte moral de gigante. É para toda a humanidade, uma lição de vida permanente. Ensinou e pregou por palavras, obras e comportamentos.
     A humanidade produziu grandes homens nos últimos séculos, mas, certamente, ninguém superou a personalidade, a experiência, a vivacidade e a magia de Vieira, no fazer, no pensar e no sofrer, indo até às últimas consequências, em suas convicções.
     Vieira foi sempre uma ponte para o futuro. Foi um homem que abriu caminhos e atalhos para aproximar as pessoas e dar rumo às suas vidas. Por isso ele é e sempre será de grande atualidade. Por isso, escreveu a História do Futuro.

2. A plena atualidade dos sermões

     Os Sermões de Vieira são magistrais, de impressionante atualidade. São organizados com uma arquitetura genial, impecável. Seus argumentos são repletos de frases lapidares fortes, admiráveis, muito simples e cheias de energia... Alegorias geniais.
     A seguir fazemos uma brevíssima amostragem que justifica o impacto que sempre provocaram seus monumentais Sermões.

2.1. Quanto proveito poderíamos tirar da leitura do Sermão do 1º Domingo do Advento (1650)! Destaco a parte onde fala dos pecados de omissão e de consequência:
     “Por uma omissão, perde-se uma maré; por uma maré, perde-se uma viagem; por uma viagem, perde-se uma armada; por uma armada, perde-se um Estado.”
     Quantos prejuízos para o país, para as empresas e para as pessoas, causa a omissão dos políticos, dos advogados, dos médicos, dos professores, dos pastores, dos juízes, dos gestores, dos técnicos, etc... Estes prejuízos ocorrem todos os dias e todas as horas, com consequências, às vezes, insanáveis.      Quem é o responsável? Quem se omitiu! Quem paga? O Povo.
A omissão talvez seja a maior praga de nosso tempo. Não escutamos Vieira.

2.2. Quanto proveito poderiam tirar, hoje, os governos e todos os gestores da maioria dos países do mundo, incluindo os nossos, da leitura do “Sermão do Bom Ladrão”? (1655).
     Vieira pergunta inquieto:
     “Que seria, se não só víssemos os ladrões conservados nos lugares onde roubam, senão, depois de roubarem, promovidos a outros (cargos) maiores?”
     Estamos todos cansados de saber de fatos tão espantosos e assustadores que se praticam à luz do dia, sem o mínimo pudor.

2.3. Quanto poderíamos todos aprender do “Sermão de Santo Antônio aos Peixes”! (1654). Um Sermão todo alegórico. Quantas lições de plena atualidade nos dá o orador! Quantas lições nos dão os peixes: a baleia que salvou Jonas; os torpedos que fazem tremer; os quatro-olhos que têm mais ampla visão; as sardinhas, sustento dos pobres. Lastima que os peixes se comem uns aos outros, como ocorre entre os humanos... Lastima a arrogância dos roncadores; fala dos predadores que vivem apegados aos peixes maiores, e se perdem juntos; fala dos peixes voadores que morrem pela vaidade de voar, porque
“quem quer mais do que lhe convém, perde o que quer e o que tem”; fala do polvo, o maior traidor do mar.
     Os PEIXES, no Sermão de Vieira, são magistrais paradigmas do agir humano.
     Este é mais do que um Sermão; é um manual de pensar e viver no mundo.

2.4. Que direi do Sermão da 1ª 6ª Feira da Quaresma (1649). Fala do amor aos inimigos. Diz:
     “Ter inimigos parece um gênero de desgraça; mas não os ter é indício certo de outra (desgraça ) muito maior”
     Grande lição que precisamos levar em conta...
     Para provar a atualidade da mensagem de Vieira, nem preciso prosseguir.
     Em todos os seus Sermões há lições que merecem ser escritas a ouro.
     Leia mais:
     O Sermão da Sexagésima (1665); o Sermão da Epifania (1652); o Sermão das Armas de Portugal contra as da Holanda (1640). Leia todos os Sermões de Vieira ou leia uma pequena seleção deles e ficará encantado com a força e a atualidade de suas palavras e ensinamentos.
     Está fazendo muita falta aos menos um Vieira em nosso mundo. Falta alguém que fala a verdade, sem rodeios e seja ouvido e respeitado.

3. Vieira e língua portuguesa

     Voltamo-nos agora para a presença de Vieira no nosso veículo principal de pensamento, expressão e comunicação: a nossa língua materna.
     Quanto à sua capacidade de tirar da nossa Língua Portuguesa todos os segredos de seu gênio, toda a sua alma, diremos algumas palavras, citando grandes autoridades.
     Foi cheio de razão que D. Francisco Alexandre Lobo afirmou, no início do séc. XIX:
     “Nenhum povo possuiu jamais, nas obras de um só homem, tão rico e tão escolhido tesouro da própria língua”
     E acrescenta o grande crítico:
     “ Se o uso da nossa língua se perder e com ela, por acaso, acabarem todos os nossos escritos, que não sejam os escritos e as obras de Vieira e os Lusíadas (de Camões), o português, quer no estilo de prosa, quer na poética, ainda viverá em sua perfeita índole nativa, na sua riquíssima cópia e louçania”.

D. Francisco A. Lobo in Discurso
Histórico e Crítico. 2ª ed. Coimbra,1897


     O Professor Joaquim Ferreira comenta:
     “ A linguagem dos Sermões é modelar de concisão expressiva, quase escultórica na forma do pensamento. Nenhum outro escritor eclipsou Vieira no desenho realista das linhas (...)”

(in Sermão e Carta do P. Antônio Vieira.
2ª ed. Ed. Domingos Barreira, Porto).

 

4. Vieira na atualidade

     Nesta parte ouçamos o grande pensador brasileiro, positivista (portanto não católico), que tem uma profunda e conhecida admiração e veneração pelo P. Antônio Vieira:
     Diz o Mestre Ivan Lins:
     Vieira precisa “desfrutar, na gratidão dos pósteros, o culto a que tem direito, como um dos homens mais completos e admiráveis, pelo conjunto harmonioso do coração, da inteligência e do caráter de que os portugueses e seus descendentes poderão se orgulhar.

(in Sermões e Cartas do P. Antônio Vieira. 3ª ed. Ediouro, Rio de Janeiro)
Ivan Lins completa:

“torna-se Vieira de incontestável atualidade, nestes tempos em que pululam os oportunistas e enxameiam os que se escondem debaixo do cômodo, vago e incolor véu do ecletismo, espécie de despistamento político e filosófico, em que são tudo e ao mesmo tempo não são nada.”
(ibidem)

5. Vieira, sua atividade excepcional

     Vieira foi um homem de missão, um homem de pensamento e um homem de ação. Exerceu, com dedicação e competência, as atividades onde era requisitado. O peso do trabalho nunca dobrou seus ombros ou enfraqueceu a sua vontade indomável.
     Foi um homem de seu tempo, plenamente comprometido e um homem de todos os tempos, dada a índole consistente de seus argumentos e de seu exemplo de vida.
Diz Ernesto Carel:

     “ Poucos reis, poucos ministros e generais, mesmo entre os mais ativos, tiveram uma vida tão ocupada, tão cheia de gloriosos feitos. Tudo nele respira um ardente amor da Pátria e da Igreja, a lealdade, um inquebrantável devotamento às mais nobres causas.
     Em vão a injúria, as perseguições e o exílio tentaram detê-lo ou desencorajá-lo; seu coração e suas convicções estavam muito alto, fora do alcance da inveja.”

(in “Vida do P. Antônio Vieira. Trad. de Augusto de Souza. São Paulo. Ed. Assunção).

 

6. Outras Opiniões

     O leitor pode encontrar mais opiniões sobre Vieira, no websítio: www.vieira400anos.com.br/opinioes. Nesse sítio, este tópico é bem ampliado, para quem quiser aprofundar a questão.


III – VIEIRA PRECURSOR DE NOVOS IDEAIS
VIEIRA E OS DIREITOS HUMANOS

     1. Vieira precursor de paradigmas da modernidade

     Vieira foi o precursor de grandes idéias e valores que hoje, através da ONU e de outras organizações da sociedade, são consideradas básicas ao convívio humano: A idéia da justiça social, da igualdade, da dignidade humana, da liberdade, da solidariedade e da diversidade cultural.
     Vieira defendeu essas idéias nos seus Sermões, Cartas e Documentos Públicos. Por essas idéias, muito sofreu. Lutou por elas, incansavelmente, até ao fim de seus dias. Lutou pelo que acreditou.
     Vieira foi precursor de algumas idéias básicas do iluminismo que iriam estabelecer novos paradigmas à interação humana.
     Através dos séculos, muitos sábios lutaram e até deram a vida por essas idéias, ao tempo, revolucionárias.

     2. As grandes perspectivas da visão de Vieira

     Nos séculos XVI e XVII, desenvolveu-se a nova concepção da visão Máquina do Mundo, provocada pelos Descobrimentos de Novos Mundos.
     A nova concepção do mundo proveio do “saber de experiências feito” de que falou Camões, e deu origem a novos modos de ver e de pensar a vida e o mundo. Precursores das novas idéias foram também Erasmo de Roterdã, Galileu, Damião de Góis e outros que pagaram à Inquisição a conta de seu atrevimento lúcido.
     Enfim foi dada a partida aos novos quadros de ver, sentir e viver o mundo e a vida.
     Nesse novo quadro temos Vieira, com suas idéias inovadoras e ousadas lastreadas nas Escrituras e nos grandes pensadores.

     3. O passado, o presente e o futuro em Vieira

     Vieira pagou o preço pelo pioneirismo: o preço de estar à frente da história. Mas também colheu os louros: Falava ao povo o que o povo estava preparado para ouvir e sentir. Mas desagradava às autoridades que ainda não dispunham de quadros filosóficos e ideológicos para assimilar a grande revolução social que se processava silenciosamente ou no campo de batalhas sangrentas que se tratavam por toda a parte.
     Daí a atualidade de Vieira. Viveu um tempo de transformações, com os pés no presente e os olhos no futuro.
     Vieira foi homem “retro et ante oculatus”: um típico Janus. Sempre viveu intensamente o presente, olhando para o passado para ter raízes e não repetir erros, e o futuro para construir um mundo melhor para as próximas gerações, que era seu objetivo.

4. Gênese do imenso saber de Vieira

     O que impressiona, em Vieira, é o vigor e a atualidade de seu pensamento e de seu conhecimento. No Colégio dos Jesuítas, em Salvador, Vieira já tinha uma ampla e rica biblioteca à sua disposição. Em Lisboa, para onde ele se dirigiu, em 1641, também sempre possuiu grandes bibliotecas.
     Nas suas andanças pelo mundo: França, Holanda, Florença, Roma e Londres, Vieira sempre foi um assíduo frequentador das bibliotecas. Aí dialogou com os grandes mestres em busca do saber. Ele mesmo afirma isto em diversas circunstâncias, inclusive na Defesa que fez perante a Inquisição (1666).
     Mas Vieira foi um competente agente da história e ainda uma atenta, ativa e comprometida testemunha visual e presencial do Novo Mundo, que se construía no apogeu desta virada decisiva, no séc. XVII.
     Isto justifica seus amplos e universais conhecimentos e a sua imensa e variada erudição que dá um sabor de amplitude universal e dá o suporte à sua grande sabedoria.
Vieira em seus Sermões, Cartas e demais Documentos que redigiu para a história, denota e conota profundos conhecimentos, de tudo que se refere, nas mais variadas áreas de conhecimento em que ancorou nos seus textos.
     Revela, a cada momento, um conhecimento enciclopédico profundo e muito sólido. Cada Sermão descortina diante do ouvinte/leitor inúmeros cenários de um mundo complexo.

5. A esperança vence o medo

     Uma das grandes lições que Vieira nos deixou como legado foi a esperança. Sua personalidade foi posta à prova, sempre. O seu caminho sempre foi pedregoso. Sempre enfrentou dificuldades e obstáculos. Nunca foi vencido. Sempre persistiu, com seu natural vigor. Sabendo que era natural sofrer calúnias e oposição, nunca teve ilusões. Mas nunca perdeu a esperança porque tinha uma fé indomável e uma solidariedade natural que o levava aos que dele precisavam sem medir sacrifícios. Deu a vida, o saber, a sabedoria e todos os seus talentos pelo seu povo, seu país ao qual dedicava um carinho sem limites, mesmo quando lhe fustigava as mazelas.

 

IV- A PRAÇA UNIVERSAL DE VIEIRA

1. Uma intuição genial de Vieira

     Vieira foi o grande precursor da idéia de mundo unificado, um espaço disponível a todos, como uma Praça ou como uma Feira. Aí todos compartilham e trocam bens e valores.
     Vieira formulou profeticamente essa realidade fantástica, em Roma (1674), no Sermão da Rainha Santa Isabel... Vamos ouvi-lo:

     “Este mundo, Senhores, composto de tanta variedade de estados, ofícios e exercícios públicos e particulares, políticos e econômicos, sagrados e profanos, nenhuma outra coisa é senão UMA PRAÇA OU FEIRA UNIVERSAL, instituída e franqueada por Deus a todos os homens”

     Esta é uma intuição genial de Vieira. Vieira estava sediado em Roma. Como negociador de assuntos políticos, econômicos e diplomáticos, por toda a Europa e pelo Brasil, estava perfeitamente informado do que se passava pelo mundo, de Norte a Sul, e do Oriente ao Ocidente. Pôde então formular tão alta “profecia”, que já se manifestava informalmente vital, mas ainda em germinação.
     O princípio foi formatado institucionalmente, em 1948, com a criação da ONU, (Organização das Nações Unidas).
     A Praça Universal de Vieira (séc XVII), precedeu três séculos a Aldeia Global de Mcluhan (séc XX), de que tanto se falou, e a instituição da ONU.
     Sem dúvida, Vieira é um genial visionário. A Máquina do Mundo girava em seu universo intelectual.

     2. O diálogo “vence” a barbárie (?!)

     A ONU e muitas outras organizações assumiram como bandeira a proclamação de princípios e valores pelos quais Vieira tanto lutou e tanto sofreu.
     O nosso mundo, a partir da ONU, despertou efetivamente, ao menos em teoria, para princípios e valores que foram proclamados como universais, através de grandes e solenes DECLARAÇÕES.
     Este foi um grande passo para a humanidade. O mundo começava a pensar como uma unidade (?) para superar miopias que tragaram milhões de vidas humanas, depredaram a natureza, espalharam dor e angústia por toda a parte. Enfim, os argumentos e eventuais murros ou sapateadas na mesa de negociações, assumiam o lugar das bombas mortíferas e destruidoras. Superava-se a barbárie, ao menos teoricamente...
     Esta seria a verdadeira globalização, apesar das máscaras que, às vezes, se ocultam nos seus documentos, para atender a um mundo tão plural e diverso em seus interesses e culturas.

3. Pioneirismo de Vieira

     É gratificante sentir, também aqui, nesta efervescência de idéias e ideais, a presença pioneira do grande Antonio Vieira, aliado a outros grandes e ousados luminares da humanidade.
     Se estivesse vivo, Vieira teria se rejubilado com a proclamação de alguns documentos básicos da ONU, tais como:
     Declaração Universal dos Direitos Humanos;
     Declaração de Princípios sobre Tolerância;
     Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural.
     Estas foram “bandeiras” sob as quais lutou a vida inteira com imensas dificuldades e muitas incompreensões.

4. Vieira lutou muito por valores idênticos aos da ONU

     Para conseguir declarações e reconhecimento de idéias idênticas para os índios, para os negros, e para os cristãos-novos / judeus, Vieira fez viagens perigosas para apelar ao Rei, sofreu naufrágios no mar, foi prisioneiro de piratas, foi expulso do Maranhão como Persona Non Grata e como perturbador do povo em pregações veementes, angariou inimigos nas cortes em Lisboa. Foi perseguido, injuriado, exilado e preso pela Inquisição.
     Sobretudo muito pregou e muito escreveu, com coragem, discernimento e sem temor. Os documentos estão disponíveis para quem quiser ler.
     Certamente Vieira teria feito algumas questões de ordem e sugestões fundamentais nos textos da ONU, exigindo mais consistência; mas, finalmente, como mais um grande passo, teria dado seu aval e comemorado.
     Embora de cunho teórico, tais documentos representam um grande passo, num longo caminho rumo a uma sociedade mais justa, mais responsável, mais livre, mais solidária e mais próspera, com mais bem-estar e mais oportunidades para todos.
     A partir da teoria que vai se aperfeiçoando, irá se implantando no mundo uma nova prática de interação e respeito à dignidade humana, se as pessoas de bem e esclarecidas se mantiverem alertas, atentas e ativas.
     Vieira foi exemplo acabado de homem sempre atento e sempre atuante.
     Vieira faz parte daquele restrito clube de seres humanos que “por obras valorosas se vão da lei da morte libertando”. (Lusíadas, C.I, 2).

São Paulo, Brasil, 20 de outubro de 2008
Prof. Dr. José Jorge Peralta


BIBLIOGRAFIA MÍNIMA


AZEVEDO, J. Lúcio de. História de Antônio Vieira. Lisboa: Clássica, 1931.
BESSELAAR, José Van den. Antônio Vieira, Profecia e Polêmica. Rio de Janeiro: UERJ, 2002.
BORGES, Paulo A. E. A Plenificação da História em P. Antônio Vieira. Lisboa: Imprensa Nacional, 1995.
CAREL, Ernesto. Vida do P. Antônio Vieira. Trad. Augusto de Souza, São Paulo: Ed. Assunção. s/d.
CAMÕES, Luiz Vaz. Os Lusíadas. Lisboa: Imprensa Nacional, 1999.
LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia, 2006.
LINS, Álvaro. Sermões e Cartas do Pe. Antônio Vieira. 3ª ed. Rio de Janeiro: Ediouro.
LOBO, D. Francisco Alexandre. Discurso Histórico e Crítico Acerca do Pe. Antônio Vieira. 2ª ed. Coimbra, 1897.
LOPES, Antonio. Vieira o Encoberto. Cascais: Principia, 1999.
PIMENTEL, Manuel C. De Chronos a Kairós. Aparecida-SP: Idéias e Letras, 2008.
TAVARES, José F. Damião de Góis – Um Paradigma... Lisboa: Ed. Universitária, 1999.
VIEIRA, Antônio. SJ. Sermões. Porto: Lello e Irmão, 1951.

    ESTUDOS

Prof. Dr. José Jorge Peralta
Prof. da USP – São Paulo( aposentado)

[Trabalho apresentado ao Congresso Internacional pelo 4º Centenário de Nascimento do P. Antônio Vieira, organizado pela UCP – Universidade Católica Portuguesa e pela Universidade de Lisboa, de 18 a 21 de novembro de 2008, em Lisboa]