Sai a desejada história da Vida do Grande Padre
ANTÔNIO VIEIRA, cujas ações foram em tudo sublimes,
cujos talentos, sobre o comum da Providência, são eminentes,
e cujas virtudes raras.
O Criador ajuntou neste só homem as prendas, que, divididas, podiam
ornar e fazer ilustres a muitos; e postas nele, formaram, sem controvérsia,
um Herói.
Para não demorarmos esta esperada escritura, a damos ao público,
com o sentimento de curta. Mas pode, quem a passar pelos olhos, entender
que nos deve a pátria esta mesma dor, a qual nos obriga a queixar-nos,
muitas vezes, de que não deixassem os contemporâneos de varão
tão esclarecido apontadas as notícias, com que o déssemos
aqui coroado com todas as suas luzes.
Sendo tão grande, aqui verá o Mundo o que padeceu na pátria,
e quanto foi sublimado fora dela.
Se ainda achar olhos que se ofendam desta luz, achará também
outros que chorem a miséria dos primeiros.
Logo que se deu notícia ao Reverendíssimo
Padre Geral da Companhia de JESUS de ter passado a melhor vida o imortal
VIEIRA, se lhe propuseram três grandes sujeitos para escrever as façanhas
e virtudes heróicas deste raro Varão, em línguas diferentes.
Na língua Latina, o Reverendíssimo Padre Leopoldo Fuéz,
Confessor que era da Augustíssima Rainha, a Senhora D. Maria Sofia
Isabel de Neobourg, de saudosa e imortal memória.
Na língua Italiana, o eruditíssimo Padre Antônio Maria
Bonuci.
E na Portuguesa, o Padre Luiz Severim, varão de grande engenho, e
que intimamente se comunicava ao Padre VIEIRA.
Estas três Águias tinham digna matéria de si mesmas,
no nosso Herói; mas, porque outra não menos elevada significou
querer tomar a si esta empresa, julgou a Companhia que devia ceder, e esperar
que pena tão ilustre saísse com a sua composição.
Durou muitos anos esta esperança; mas, com outros empregos, este
omitiu aquele alto engenho.
Saiu sim, em nosso tempo (e a rogos alheios), de uma pena
Portuguesa, mas na língua Castelhana, um Resumo, de quem fora VIEIRA.
Dê-nos licença seu Autor para dizermos, que escreveu sem averiguar
ações, nem tempo, e com vício muito ordinário,
exagerando, em muitas coisas, o que escreve, e escrevendo outras, que não
passaram assim. Mais ajuizou o que podia ser, do que escreveu o que foi.
Não necessita o grande assunto desta História de outras luzes.
Só com as suas, sinceras e verdadeiras, sobe à esfera da Heroicidade.
De seus próprios escritos, cujos primeiros originais,
que em muita parte tivemos a fortuna de ver, nos valemos para oferecermos
à pátria este retrato de um Filho tão benemérito.
Tão ajustada, como isto, vai esta cópia ao seu Protótipo.
Encontramos de caminho, entre as mãos dos curiosos, alguns antigos
papéis que se atribuem Grande VIEIRA.
Outros que se opõem a alguns ditames seus: tão falsos os primeiros,
como mal intencionados os segundos. Contra estes pode o seu magnânimo
coração calar-se. Só falou, e sempre como VIEIRA, quando
o silêncio fora culpa.
Muitos anos há que intentamos esta escritura. Trabalhamos primeiramente
em indagar notícias; mas obstaram contra nós montes.
Já a grandeza do argumento; já o esquisito e importuno das
diligências, que deve fazer um Historiador; já a falta de tempo,
que o levam todo as obrigações do nosso Instituto.
Chegou quase a render-se-nos o ânimo. O desejo porém de dar
à posteridade notícia mais firme de Varão tão
único, não fiando da tradição vaga, e confusa
suas memórias, venceu toda a contradição.
Trabalhamos, desvelamo-nos, inquirimos. Buscamos luz no Brasil, no Maranhão,
em Roma, e outras partes; falamos com testemunhas, que conheceram ao Padre
ANTÔNIO VIEIRA, e com outras, em cuja erudição estava
confiante a memória de suas gloriosas ações Políticas,
Sábias, e Apostólicas.
Achamos notícia de haver um livro com título:
DIES MEMORABILES PATRIS ANTONII VIEYRA.
Se na verdade o houve entre seus papéis, nele perdemos um raro tesouro,
com que, depois de sepultado, renasceria muito mais glorioso nesta História
o nosso Fênix Português. Mas ou está bem guardado em
Portugal, ou no Brasil , ou com outros preciosos escritos passou a Itália
, como temos por provável.
O que achamos de sua própria letra, como já dissemos, e podia
servir a esta História, quisemos pôr pelas suas mesmas palavras,
contentes de levar matizada esta obra com suas mesmas luzes.
Procuramos também variá-la com algumas notícias, que
não são triviais, e que a mesma História, natural e
oportunamente, chamava, para que supra a jucunda variedade das coisas, a
menos elegância da nossa pena.
Sendo pois a verdade alma da História, não
escrevemos coisa que não tirássemos de documentos dignos de
toda a fé. O que não tinha para conosco esta autoridade, totalmente
o deixamos, querendo antes calar ilustres glórias, que escrevê-las
menos averiguadas.
Saiba, enfim, quem ler esta história, que voluntariamente omitimos
algumas notícias que podíamos dar deste esclarecido varão;
umas por muito idênticas, outras por não acrescentarem nova
singularidade ao nosso argumento.
Ninguém nos poderá negar que deve o Historiador ter seleção
do que há de escrever.
Há coisas que desdizer, ou da gravidade, ou da formosura da História;
e tão acertadamente se referem umas ações, como se
calam outras, ainda que virtuosas.
Dada esta preâmbula notícia, entremos a ver nesta pintura,
qual é a face dos Heróis.