GESTÃO: INSTITUTO TROPICAL

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Um Mestre Intrépido
(Contrastes e Confrontos)

 

1. Um Homem de Missão

       1.1 Vieira foi sim um vencedor. Teve imensos sucessos. Mas foi também um sofredor. Carregou sempre uma pesada cruz: a incompreensão, a inveja, a intriga, a doença, etc. Enfrentou as dificuldades como um forte, com a cabeça erguida. Foi um homem pleno: realizou seus ideais, na medida do possível.

       Foi um homem de MISSÃO, que é uma categoria de humanos muito escassa. O Brasil não pode continuar a desperdiçar seus grandes tesouros humanos.

       Vieira precisa ser mais conhecido, para fazer o Brasil maior. Ele é uma lição de vida é dignidade. Para muitos, Vieira é um tesouro a descobrir. Vieira e sua obra humana e intelectual são uma aventura deslumbrante. Sua trajetória a todos espanta.

       É preciso conhecer o Vieira total com sua vida dinâmica e atuante, entre os índios e negros de Salvador, na grande e misteriosa selva Amazônica, cuidando dos índios, nas cidades brasileiras do norte e do nordeste; nas grandes cidades da Europa, de Lisboa a Amsterdã, de Roma a Paris, nas cortes e entre o povo.

       Atuar em missões diplomáticas, que é visto como um mundo de dissimulações e de negociatas, não deve ter sido fácil para Vieira, um homem de caráter. Nas viagens de navio foi até prisioneiro de piratas.

       1.2 A grande aventura foi a ação que lhe moveu a terrível Inquisição da qual poucos saiam ilesos ou com vida. Vieira ficou alguns anos sob ordens da Inquisição. Condenado por esta, defendeu-se denunciando as farsas, maracutaias e espírito persecutório de seus opositores, feitos seus juízes. Foi inocentado pelo Papa.

       Vieira não desistiu nunca. Foi um homem muito forte. Seguiu seu caminho, apesar das dificuldades e dos grandes obstáculos que lhe criaram. Foi um homem de imensas qualidades e incríveis talentos. Foi um homem de nervos de aço, para enfrentar tantas agruras, a Inquisição e as injustiças.

       Sua vida é uma grande lição para as pessoas que querem ir além do trivial e se aventurar por águas agitadas, sem temor nem tremor.
               “Nec timere nec temere”, poderia ser um lema que lhe cairia bem.

2. Defesa dos Direitos Humanos

       2.1 Vieira foi um homem de uma lucidez excepcional. Nos tempos destemperados e muitas vezes insensatos da Inquisição foi um defensor intrépido do povo judeu. Foi sempre contra a discriminação por motivos de religião. Isto o levou às masmorras dos inquisitores.

       Defendeu intransigentemente os índios, os negros e os desprotegidos do Brasil, contra a ganância de alguns fazendeiros, em tempos difíceis e conflituosos. Lutou pela inclusão social dos desprotegidos.

       Num tempo em que a guerra levava violência e morte por toda a Europa e no Brasil, Viera foi um arauto da paz, um conciliador e estrategista. Defendeu o seu país contra a arrogância do visinho invasor, na Europa.

       Defendeu o Brasil contra invasor holandês Vieira tinha um espírito verdadeiramente cristão e templário, plenamente evangélico: tratava com toda a espécie de pessoas com que precisasse se relacionar, quer fossem cristãos, judeus, maometanos, herejes, ateus ou gentios. Não discriminava ninguém. A todos respeitava. Com todos dialogava. Ninguém excluía.

              "Tratava com toda a sorte de gente que se lhe oferecia,
              ou fossem judeus, ou hereges, maiormente ateus, ou gentios"

       Aceitou e respeitou a pluralidade e a diversidade cultural e religiosa.
       Foi um bom Pastor. Cuidou de todo o seu rebanho.
       Foi um homem sem preconceitos.
       Foi um homem plural como a humanidade.
       Em todos respeitava a dignidade humana. Até seus adversários e algozes. Isto é o espírito evangélico total.
        A Inquisição não admitia atitudes tão democratas (!!).

       Suas andanças pelo mundo convivendo com a diversidade natural, consolidaram este seu posicionamento. Era um homem de pensamento e ação ecumênica. Estava alguns séculos além de seu tempo. Tentou quebrar os limites da reforma tridentina que o tolhia, a contra-reforma.
     

       2.2 Vieira foi um incansável arauto do humanismo, pugnando pela dignidade da pessoa humana e pelo bem-estar de seu povo. Vieira foi uma LUZ brilhante num mundo conturbado. Foi um guia firme e decidido, num mundo desnorteado.

       Na sua visão profética-utópica, concebeu o messiânico Quinto Império, onde se realizaria o ideal da harmonia universal. Uma bela utopia em tempos trágicos. O mundo precisa de utopias positivas para não perder a esperança, quando esta já parece inviável

       Vieira foi um eterno peregrino por convicção e por formação.

       Peregrino das civilizações, das idéias, dos santuários, entre culturas e povos. Foi um peregrino por sina e missão.

 

3. Aplausos e Apuros

       3.1 As ousadias e a coragem de Vieira não podiam agradar a todos. Não é possível agradar a “Gregos e Troianos”. Por isso, na vida sofreu alguns dissabores, injúrias e insultos. Isto, aliás sempre ocorre com os profetas de todos os tempos.

       Uma das afrontas mais torpes e injustas foi a seguinte:
       Em 1682 foi restabelecida a Inquisição em Portugal. Alegres (!) pelos privilégios recuperados, alguns estudantes de Coimbra comemoram fazendo grande arruaça pela cidade. Fizeram uma estátua que diziam ser o Pe. Antônio Vieira, e a queimaram. A afronta deveu-se ao fato de Vieira defender os judeus e cristãos-novos. Vieira, já de volta ao Brasil, respondeu que os insultos
               “antes o lisonjeavam que o ofendiam”.

       Com certa ironia dolorida reage:
               “não merecia o Antônio Vieira aos portugueses, depois de ter padecido tanto por               amor da sua pátria, e arriscado tantas vezes a sua vida por ela, que lhe               antecipassem as cinzas e lhe fizessem tão honrosas exéquias”[2].

       Vieira negou-se a revidar aos estudantes e ao seu país. Não fez como o General e Senador Romano, Cipião, ao ser destratado e condenado ao ostracismo, depois de ter honrado Roma com suas vitórias, também a afrontou:
               “Non videbis ossa meia, pátria ingrata”[3].

       3.2 Na mesma ocasião, a Universidade do México prestou grande homenagem a Vieira. O grande jesuíta desabafou:
               “não posso deixar de me magoar muito que, no mesmo tempo, em uma
               Universidade de portugueses, se afronte a minha estátua e, em outra
               Universidade de Castelhanos, se estampe minha imagem”
[4].

              “Malhas que o império tece”, diria F. Pessoa.

       De fato Vieira não merecia tal afronta de alguns estudantes e bêbados, em plena Coimbra, que devia honrá-lo. É o tal vezo fascista que sabe roubar a cena.

        Vieira atuou em tempos conflituosos. Nunca poderia ter unanimidade na opinião das pessoas de seu tempo. A força e veemência de seus sermões e de seus posicionamentos sempre desagradaram alguns setores do poder constituído que não queriam perder seus privilégios.        Armaram contra ele bem urdidas e cínicas conspirações.

       Forjaram intrigas. O fato é quando as pessoas se posicionam sem rodeios, criam oposição. Esta oposição tentou silenciá-lo, levando-o ao Tribunal da Inquisição. Na Inquisição estavam os representantes da oposição aos seus argumentos. E os denuncia ao apelar para Roma.

       3.3 Hoje Vieira ainda tem seus delatores que chegam a condenar até (?!) seu apelo a Roma contra a sentença e a farsa da Inquisição, considerando que ele deveria deixar se liquidar, pois seria atitude mais épica (?!). Tais análises são minimamente ridículas, ingênuas e afrontosas à razão humana.

        Certamente, Vieira não tinha direito de deixar que o liquidassem, que o silenciassem. Ele tinha uma missão a completar. Resistir foi coragem e não covardia como querem alguns aloprados ou malucos intelectualóides ingênuos. A luta pela vida é atitude essencial. A missão dele não estava completa.

4. A espada de Excalibur

       4.1 Vieira atuou no Brasil no tempo das ferozes invasões holandesas (*). Só um grande heroísmo e um grande amor à liberdade fez um povo tão debilitado resistir-lhes e manter o país inteiro e unificado, vencendo as fortes e equipadas forças militares da Holanda. Os holandeses tentaram por 30 (trinta) anos consolidar a sua presença no Brasil, trazendo imensos transtornos ao país.

       Mas o Brasil foi mais forte na defesa de sua “casa”. O resultado é nossa glória: um país grande e uno. Lembramos que Portugal estava esgotado por sessenta (60) anos de dominação espanhola e pela Guerra de Restauração(1580 a 1640). A voz líder e convincente de Vieira ecoou em todos os ouvidos, de colina em vale, fortalecendo a resistência ao invasor. Não deixou o povo esmorecer ou desanimar.

       Outros, muitos outros alimentaram a resistência até a vitória.

       4.2 Vieira atuou no tempo dos Bandeirantes, esses super-heróis nacionais, por alguns ainda hoje incompreendidos e atacados, com agressões infames, como disse o grande mestre e historiador Jaime Cortes[5].

       O próprio Vieira nem sempre os entendeu[6].

       (“Às vezes o divino Homero cochila”)...

       Não se pode rejeitar a honra à obra dos Bandeirantes, nivelando todos por alguns violentos bandeirantes que afrontavam a população ordeira e praticaram violências inúteis e grosseiras. Vieira estava em campo oposto aos Bandeirantes, em certos aspectos. No entanto os objetivos de Vieira e dos Bandeirantes eram idênticos: a grandeza e o desenvolvimento do Brasil e o bem-estar do povo...

       O grande Bandeirante, Raposo Tavares, e Vieira quase se encontravam em Gurupá, próximo a Belém do Pará. Aí, Vieira elogiou a epopéia bandeirante, enquanto reagiu contra a violência de alguns.

       4.3 Vieira atuou também no tempo em que Portugal restaurou a sua independência, voltando o país a ser o senhor do próprio destino, abrindo guerra para expulsar o intruso, libertando-se do jugo estrangeiro.

       Vieira foi um dos principais articuladores dos direitos de Portugal, buscando aliados e apoio na Holanda, na França, na Itália, etc. Correu os países amigos em arriscadas e difíceis missões diplomáticas, onde agiam sempre forças contrárias. Nessas missões correu e soube enfrentar grandes perigos.

       Neste ambiente conturbado, pontificou Vieira, iluminando o Brasil e a Europa com sua voz firme, sua sagacidade, sua sabedoria. Esgrimiu sua palavra, forte como a espada de Excalibur. Foi um homem forte e destemido. Foi um guerreiro das boas causas.

       4.4 Foi certamente o maior orador do século XVII e um dos maiores oradores de todos os tempos. Usava a palavra como espetáculo para mover, comover e convencer.

       Foi também um incansável guerreiro do humanismo e um lutador incansável de causas humanitárias, da justiça social e da liberdade dos povos. Quis varrer a ignorância da sociedade. Fez sua parte. A sociedade contemporânea é grata a Vieira pelas lições que lhe deixou.

       A luta pela liberdade, pela justiça e pela dignidade humana, fez Vieira um cidadão do mundo. E prazeroso ler seus sermões, suas cartas e demais escritos.

5. Orador Intrépido

       5.1 Como Santo Antônio de Lisboa, Vieira maravilhou grandes platéias populares e os grandes deste mundo, com sua palavra profética de fogo evangélico. Maravilhou o papa, maravilhou reis e rainhas, governadores e ministros. Maravilhou, comoveu e moveu o povo, no Brasil, em Portugal, na Itália, na França e na Holanda.

       Antônio Vieira atravessou diversas vezes o oceano, no tempo em que navegar era muito arriscado. As naus eram tocadas a vela. Foi prisioneiro dos piratas, foi expulso pelos magnatas e foi preso pela intolerante Inquisição. Como João Batista, apostrofou os exploradores da terra, com sua voz firme. “Não te é lícito explorar os mais fracos”, poderia ter dito. Só não foi decapitado como João, mas teve seus caminhos ameaçados, padecendo humilhações, sem se revoltar. Em pior situação ficaram seus algozes que não souberam o mal que fizeram à humanidade ao condená-lo.

       Vieira ficou vivo na história. E seus algozes?!

        Preso por piratas no mar e por inquisitores na sua terra, jamais deixou vencer o seu ânimo. Não fraquejava nem se apequenou.

       Depois de morto, o Pombalismo moveu contra ele cerrada campanha de desinformação "queimando-o numa fogueira" de calúnias e injúrias.

       No tempo já era sabido que uma mentira bem arranjada e bem articulada e trombeteada, com ecos de lado a lado, irá adquirir faros de verdade e como tal se propagar e perpetuar. A história é plena dessas "verdades", em sinal trocado.

       5.2 Vieira teve de enfrentar a mais persistente e pérfida perseguição. Atingiram-no com calúnias, ameaças, injúrias e castigos. Sofreu conspirações bem armadas para o derrubar... Mas resistiu de cabeça erguida.

       Diz-se que a vida é um “vale de lágrimas”. Vieira comprovou-o e venceu. Foi tão grande e intensa a perseguição que o Papa precisou intervir, colocando-o sob a tutela direta de Roma, “por toda a vida”.

       Os profetas nos tempos passados muitas vezes eram apedrejados. Vieira sofreu perseguições por seu arrojo. Tentaram seu linchamento moral. Seria a única forma de vencê-lo e levá-lo ao ostracismo. A história recente e do passado registra um sem número de tristes, trágicos e injustos casos como este. A Bíblia já clama contra a injustiça dos juízes. (Sl.78)

       Na sociedade humana sempre houve ações e idéias fora de lugar e atos detestáveis de quem se espera justiça e dignidade. Vieira tudo padeceu com a cabeça erguida e muita coragem. Enfrentou todos os desafios e toda a adversidade, e muitos perigos e ameaças. Os profetas são assim. Vieira nunca se assustou com as dificuldades pois bem conhecia o que seu Mestre, disse:
               “não vim trazer a paz mas a espada”. (Mt 10,34)

       Sabia que as dificuldades e desafios são testes à competência das pessoas.

       Sabia que
               “a vida do homem sobre a terra é combate”. (Jó, 7,1)

       Paremos um pouco para ouvir o próprio Vieira:
              “As vozes do pregador hão de ser como as caixas e as trombetas de guerra,
               que despertam, aninam e tocam às armas
”[7].

       5.3 Vieira atendia à exortação de Paulo para pregar o “Evangelho da paz”:

              “Peguem a espada do espírito. Que é a palavra de Deus”[8].

       Evangelho da paz não é Evangelho do entreguismo, do conformismo, da mentira, da falcatrua, da subserviência, da covardia. As armas que Vieira usava eram a palavra do Evangelho, os textos bíblicos e os seus talentos.

       As balas eram a justiça, a verdade, a humildade e a fraternidade.

        Como cidadão e como evangelizador Vieira lutou sempre o bom combate. Não se acovardando, encontrou sempre meios de levar avante sua missão. Até no cárcere foi sempre um homem livre e audacioso.

        Foi uma grande lição de vida até para seus inimigos.

       Vieira tem um lugar privilegiado na história da civilização que ajudou a construir.

6. Um Testemunho Autorizado

       Após um Sermão de Vieira, em Roma, em 1675, o Pe. Geral da Companhia de Jesus, pregador oficial do Vaticano, em carta dirigida ao orador, fez-lhe entusiasmados elogios. Destacamos algumas frases:

       - Seu sermão “forma um perpétuo eclipse a toda a arte dos oradores cristãos”

       - “Cada uma das suas reflexões é um milagre da eloqüência e da sabedoria”

       - “Aquelas considerações que, quando as ouvi, me pareceram relâmpagos, quando as vi escritas se transformaram em planetas, mas todos semelhantes ao sol, que não se podiam ver, pela veemência da luz, e mal se podiam medir pelo excesso da altura”.

       - “Dou graças a Deus por ter dado à Companhia um homem que pode falar tão divinamente e que sabe proferir o seu conceito, e que todos confessam que é igualmente maravilhoso, assim no que entendemos como no que não penetramos, mas igualmente veneramos nas suas inteligências”.       

       O Geral da Companhia lembra a Vieira a obrigação de comunicar ao mundo, por meio da estampa (impressão) o que Deus tem comunicado ao seu entendimento[9].

       Futuramente ampliaremos esta análise testemunhal sobre a excelência da obra de Vieira e sua projeção através do tempo.

7. O Mestre que não se cala

       Vieira foi um grande orador, incansável missionário, teólogo, filósofo, escritor, mestre e diplomata.

        Vieira ainda irradia seu gênio em Salvador da Bahia; em Recife, Pernambuco; em Belém do Pará e em São Luiz do Maranhão, cidades do Brasil que escutaram o brilho de sua voz e de sua inteligência e se beneficiaram de sua ação apostólica, política e diplomática. Todo país se beneficiou de sua obra.

       O Brasil precisa preservar a presença do grande mestre. Precisa divulgar a sua obra.

        Vieira precisa ser mais conhecido, mais amado e mais reverenciado nesta terra a que tanto se dedicou. Os lugares onde pregou são espaços memoráveis. Deveriam ser espaços de peregrinação, de obrigatória visitação. Por que as cidades onde Vieira pregou não põem tais lugares nos roteiros turístico-culturais? Por que não se divulga nesses lugares sua obra?

       Com justiça, o grande poeta Fernando Pessoa o aclama, “O Imperador da Língua Portuguesa”[10]. Vieira é um dos maiores mestres da língua que usamos para pensar e para nos comunicarmos e para exprimir nossos sentimentos.

8. O Gigante Tomba

- Obras Inacabadas –

       8.1 Vieira deixou-nos uma obra extensa e magnífica.

       O grande projeto de sua vida parece ter sido “Clavis Prophetarum – De Regno Christi in Terris Consummato” a que se dedicou intensamente nos seus anos derradeiros. Ficou inacabada, como ele mesmo previa, embora desejasse ardentemente terminá-la. Era uma obra muito esperada... A parte que escreveu foi ocultada por alguns séculos.

       O grande cidadão da humanidade, Vieira, faleceu em Salvador, no Colégio da Companhia, aos 18/07/1697, com 89 anos e meio.

        Nos últimos 15 (quinze) anos de sua vida, Vieira trabalhou sem descanso nos retoques finais dos Sermões e de outras obras. Morou na Quinta do Tanque, nos arredores de Salvador, no prédio que hoje abriga o Arquivo do Estado, chamado Quinta dos Lázaros. (Aí funcionou um leprosário).

       Para redigir o principal de sua obra que delineara, precisaria ao menos de mais cinco (05) anos de vida útil e intensa. No entanto, ainda depois desta eventual prorrogação de tempo, ainda teria muito para dizer.

       8.2 Parte de sua obra ficou inacabada[11]. Quanta sabedoria deixou de nos legar!! Esta falta de tempo o preocupava. Quis deixar à posteridade todo o saber e sabedoria que conseguia angariar ao longo da vida. Faltou-lhe tempo e saúde.

       Ficar inacaba talvez seja desígnio da Providência... Muitos gênios deixaram inacabadas suas obras. Fernando Pessoa também deixo inacabado, apenas alinhavado, o seu FAUSTO que seria seu maior projeto.

       Em 1695 já se sentia muito doente e enfraquecido. Mas continuava a trabalhar.
               “... apelei para a pena, com que se pode suprir a falta da língua. Mais ditei do
               que escrevi, porque me falta também a mão duas vezes quebrada
”[12].

       Os últimos anos de Vieira foram um doloroso calvário que não conseguiu vencer sua vontade indomável. Nada obscureceu sua estrela. Foi superior a qualquer adversidade ou dor. Só parou quando desfaleceu...

8.3 O gigante tombou mas ficou de pé.

       Sua obra revive e se revitaliza através dos tempos. Assim são os clássicos.

      Foi um homem integral em toda a sua vida, a pesar dos embaraços, perseguições, constrangimentos e doenças.

        Multiplicam-se os seus admiradores.

       Os opositores também existem, porque alguns desconhecem a obra e repetem jargões dos inquisitores, outros partem de princípios antagônicos.

       É emocionante a dedicação deste homem, para legar à posteridade os tesouros de idéias e experiências que amealhou por toda a sua longa vida bem vivida. Nos últimos anos, já muito doente, trabalhou intensamente, com muita dificuldade[13].

       Nas obras que nos legou, Vieira continua sua pregação por uma sociedade mais humana e mais justa. Encerramos este ensaio com um desabafo de Ives Gandra Martins:
              Que falta, nos dias atuais, fazem à lusitanidade e ao mundo, nomes como o
              Padre Antônio Vieira
[14].

9. Concluindo: O Vieira Vivo

       9.1 Neste estudo quizemos fazer rápidos esboços de interpretação de Vieira e sua obra. Elaboramos alguns apontamentos e estabelecemos algumas linhas de estudo para quem quiser ir mais a fundo e encontrar o Vieira em suas próprias dimensões.

       Vieira é um homem do séc. XVII que continua vivo nos dias de hoje, como Sócrates, Platão, Maquiavel e tantos, tantos outros. É um autor de um passado sempre presente. Não há dúvidas que Vieira era um homem carismático. Sabia dizer o que as pessoas precisavam ouvir, criando entusiasmo em todos. Era uma luz que iluminava.

       Estudamos a pessoa civil do artista da linguagem, do escritor, do conselheiro, do lutador pela solidariedade entre os povos e contra a discriminação das pessoas por causa de seu credo, do lutador contra as injustiças da sociedade e contra o abuso de alguns colonos; do diplomata procurando a harmonia entre as nações. Vieira sempre se preocupou com a vida material/humana e espiritual das pessoas.

       Invocava e apostrofava o Deus imamente e transcendente, com todas as forças de sua fé.

        Daí a sua força, quando interpelou a Deus, em Salvador, provocando-o para repelir o invasor holandês. E conseguiu.

       Dissemos que Vieira é um homem plural. E é.

       9.2 A obra de Vieira é uma convocação e um canto de glória contra imobilismo e o obscurantismo; um apelo a todos os homens de boa vontade para a construção de um mundo mais fraterno, justo e solidário, com prosperidade e qualidade de vida para todos.

       9.3 Aqui deixamos de abordar algumas dimensões de sua obra. Uma delas foi a vida religiosa e mística. Esta é uma dimensão que precisa ser recuperado, no mundo que “matou Deus e não achou nada para pôr no seu lugar” como disse Fernando Pessoa. Estamos num mundo que começa a descobrir a espiritualidade. Mas ainda é um mundo órfão da divindade. Esta precisa ser redescoberta. Vieira pode nos ajudar.

       É interessante observar o paralelo que A. Feliciano de Castilho fez entre Vieira e Bernardes: “Lendo-os com atenção, sente-se que Vieira, ainda falando do céu, tinha os olhos nos seus ouvintes; Bernardes, ainda falando das criaturas, está absorto no Criador”[15].

       Vieira faz parte de uma grande plêiade de missionários e grandes cidadãos dedicados, sábios e competentes que ajudaram a traçar os rumos de nossa nação. Nessa plêiade de grandes cidadãos destacam-se ainda o Pe. Nóbrega e Anchieta, no séc. XVI, Raposo Tavares e Fernão Dias Pais, Bandeirantes do séc. XVII, José Bonifácio e D. Pedro II no séc. XIX e Rui Barbosa no séc. XX, entre muitos, muitos outros.

       9.4 Há muitos outros aspectos da obra e da vida de Vieira que merecem mais atenção. Mas isto é assunto para outros trabalhos de quem puder aprofundá-los.

       Viera é uma questão de alta complexidade que tem que ser interpretar à luz de seu tempo e na complexidade dos contextos históricos. Sem tal conhecimento arriscâmo-nos a expressar opiniões ingênuas ou incoerentes. Enfim há outras faces de Vieira a serem destacadas. Aqui apenas fizemos alguns esboços tentando firmar alicerces para outros trabalhos de maior fôlego[16].

       Sintetizando: estudar ou ler Vieira é tratar com o maior orador da Língua Portuguesa de todos os tempos e um dos maiores oradores do mundo. Hoje e sempre há em todas as nações grandes oradores, cada um com os seus valores, sua força de expressão e de sincronização com os grandes anseios e com os grandes problemas e ideais das pessoas dos povos. Assim pensam, desde tempos remotos, os grandes conhecedores das grandes virtudes deste homem.

O Brasil, como Portugal, sempre tiveram grandes oradores que souberam atrair entusiasmo às multidões. Talvez nenhum tenha se igualado a Vieira que, arriscamos declarar, é o maior de todos em sua multiplicidade e em suas ousadias, em sua sintonia com o seu povo.


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[1] Doutor em Letras e Lingüística pela USP. Professor e Diretor das Faculdades EUROPAN e FINTEC.

[2] Carta ao Marquês de Gouveia (22/05/1682) in Cartas p. 465.

[3] “Não te lego os meus ossos, pátria ingrata” disse Cipião, o africano. (tradução livre)

[4] Carta ao Marquês de Gouveia (24/06/1683) p. 490.

(*) A referência a holandeses e a espanhóis é uma questão histórica pela qual os cidadãos atuais desses países estão isentos de qualquer responsabilidade.

[5] Jaime Cortesão. Raposo Tavares e a Formação Territorial do Brasil. Rio. MEC. 19..=

[6] É difícil entender por que Vieira não conseguiu aquilatar a grandeza da obra dos Bandeirantes, os “Paulistas” como dizia, separando o joio do trigo. Só tinha a visão dos detratores dessa gente intrépida.

[7] Sermão de Santo Antônio, pregado no Maranhão.

[8] Ef. 6,14 a 17.

[9] Ver no 15º volume dos Sermões. Carta do Pe. João de Oliva.

[10] Fernando Pessoa -Poema “Antonio Vieira” in “Mensagem”.

[11] Vieira não queria morrer sem terminar a Clavis Prophetarum e a História do Futuro, entre outras grandes obras planejadas.

[12] Carta à rainha D. Maria Sofia, 16/01/1695.

[13] Em carta de 22/07/1695, ao Duque do Cadaval, revela um pouco de seu drama: “Na frota do ano passado, por me faltar o uso da mão direita, a ajudei com a esquerda, para de algum modo (...) escrever a de V. Exª por mão própria”.

Nesta data, Vieira estava “com as duas mãos estropiadas” devido a outra queda de um escada que quase o matou. Estava também quase cego.

[14] “Padre Antônio Vieira no Maranhão”, revista “Voz Lusíadas” n° 7/8 de 1997. São Paulo, Academia Lusíada. 10°, 1997.

[15] Bernardes, Manuel. Nova Floresta, in prefácio de Múcio Leão.

[16] É de justiça lembrar que Vieira contou sempre com auxiliares e dedicados colaboradores de sua ação. Damos especial destaque ao Pe. José Soares, a quem o próprio Vieira se referia em suas cartas.

O Pe. Soares colaborou e trabalhou com Vieira, por mais de 30 (trinta) anos, em tempo integral. Ele escreveu ou transcreveu Sermões e Cartas. Lembramos seu nome com veneração, seguindo os passos de Afrânio Peixoto.